Qual é a melhor maneira de resistir à destruição da ciência e da educação superior no Brasil?
Não sei a resposta. Mas creio que não é prosseguir no piloto automático, fazendo tudo o que sempre fazíamos como se nada estivesse acontecendo.
Preenchendo o Lattes, pontuando as publicações com Qualis, preparando o relatório Capes…
Já era mesmo necessário repensar essas métricas, discutir para que tipo de produção científica elas nos empurravam. Mas, no imediato, fazia sentido segui-las, já que elas definiam nossas possibilidades de financiamento.
E agora? Vamos continuar no mesmo passo, mas para quê? Para disputar as migalhas que sobram?
E serão premiados aqueles que mais conseguirem fingir que está tudo bem…
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Pensemos nos eventos científicos. As agências governamentais estão retirando todo o apoio que era dado a eles.
Será que vale a pena tentar mantê-los no padrão de sempre – medalhão estrangeiro na conferência de abertura, sacolinha ecológica com livro de resumo e canetinha, coffee break com pão de queijo para que a fome não acirre os ânimos e faça as discussões desandarem?
Sem apoio, o “padrão de sempre” significa taxas de inscrição batendo nos mil reais.
O financiamento não vem pelo outro lado, já que os programas de pós-graduação também estão com suas verbas estranguladas. De qualquer jeito, mesmo que eles financiassem as participações, a taxa de inscrição estratosférica significaria mais uma vantagem para os programas consolidados e portanto melhor financiados, em geral no Sudeste do país, em detrimento das periferias.
Wikimedia Commons
Fachada da Universidade Federal do Rio de Janeiro
E agora, aliás, nem isso: a inacreditável portaria do ministro da “Educassão” proíbe a participação de múltiplos docentes da mesma instituição num mesmo evento.
Ingênuo, pensei no começo que era uma demonstração de ignorância sobre o sentido de um evento científico – que não é para discutir com os pares, mas para fazer representação institucional. Ou, no máximo, uma feira de ciências.
Claro que não é isso. É que no projeto de país de Guedes e Bolsonaro a pesquisa é inútil (pois nosso papel no mundo é subordinado mesmo), quando não perigosa.
Não seria melhor adaptar os eventos à nova realidade – abraçar a precariedade, em vez de escamoteá-la, e usá-la como estímulo para nosso debate e nossa resistência?
Ou mesmo cancelar, como manifestação de protesto, aquilo que não tem como ser mantido?
Com as revistas científicas, o movimento de acomodação é pior ainda. Com o corte profundo no financiamento, que aliás sempre foi insuficiente, começa um movimento para cobrar dos autores pela publicação.
Alguns periódicos já estão implantando a medida. Outro dia recebi um pedido de parecer. Fui olhar as regras de submissão, como sempre faço antes de emitir um parecer, e estava lá: caso o artigo seja aprovado, há taxa de mil reais para a publicação.
Sei de outros periódicos que estão discutindo a cobrança.
Quem vai publicar, então? O pesquisador vinculado a um programa forte, que ainda tenha recursos para bancar a taxa de publicação, reforçando as disparidades regionais. O pesquisador sênior que ainda consiga alavancar um dos poucos financiamentos de pesquisa disponíveis. E, claro, um ou outro filhinho de papai, que pague do próprio bolso.
Essa é a ciência que nos queremos?
Seria melhor aproveitar para mandar as exigências do Qualis e do Scielo praquele lugar e buscar formas alternativas de publicização das pesquisas.
Contratações suspensas, dinheiro minguando, desrespeito às instâncias democráticas, portarias restritivas absurdas, ofensas públicas permanentes e perseguição ideológica. O que falta, neste pacote, para que se assuma de vez que não, não está tudo bem?