Os eleitores franceses decidirão neste domingo (24/04) quem será o próximo presidente do país, no segundo turno da eleição entre o atual líder, Emmanuel Macron, e a candidata da extrema direita, Marine Le Pen. Mas independentemente do escolhido, as relações entre a França e o Brasil – abaladas depois dos desentendimentos entre Macron e o presidente Jair Bolsonaro –, não devem se reaquecer tão cedo, avaliam especialistas ouvidos pela RFI Brasil.
Christophe Ventura, diretor de pesquisas do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris), de Paris, onde é especialista em geopolítica da América Latina, ressalta que, de um ponto de vista mais amplo, Macron jamais demonstrou interesse pelos países latinos.
“O primeiro mandato de Macron foi marcado por uma relação distante com a América Latina, se comparamos com os seus predecessores. À exceção de uma viagem a Buenos Aires, que ele fez no contexto de um encontro do G20, e não em visita oficial, Macron não foi à América Latina, não desenvolveu projetos específicos com a região”, sublinha. “Ficamos num padrão automático da diplomacia francesa e as relações bilaterais tradicionais.”
Da mesma forma, a candidata da extrema direita simplesmente ignora o tema. A política externa de Le Pen se limita a promover o controle da imigração e da soberania nacional ante o resto do mundo, inclusive os Estados Unidos.
“Na América Latina, Marine Le Pen enxerga apenas os territórios franceses, a Guiana Francesa, as Antilhas, no Caribe, onde ela foi durante a campanha. Mas além disso, é um mistério”, frisa Ventura. “Que eu lembre, ela nunca comentou sobre essa região do globo e acho que a América Latina não é um assunto, para ela.”
Mudanças só se Bolsonaro sair
O professor de Relações Internacionais da UnB Antônio Jorge Ramalho Rocha concorda que a América Latina se tornou “marginal” para os interesses europeus, mas lembra que a maior fronteira que a França tem é com o Brasil, com a Guiana Francesa. “Há problemas que se colocam na nossa região e que vão se fazer sentir na França, de um modo ou de outro”, afirma.
Mesmo assim, o distanciamento político tende a permanecer, principalmente se Macron e Bolsonaro continuarem no poder, já que os brasileiros também vão às urnas este ano. Em 2019, os recordes de desmatamento na Amazônia levaram os dois presidentes a uma série de trocas de farpas, que conduziram França e Brasil ao afastamento mais profundo em décadas. Desde então, as relações bilaterais no âmbito dos governos estão “no modo automático” – limitadas ao intenso comércio e aos laços culturais e históricos que unem os dois países.
“A reaproximação só vai acontecer se Bolsonaro sair do Planalto. A França vem mantendo a sua coerência em política externa. Quem mudou de rumo foi o Brasil”, pontua o professor. “Uma parte da agenda que a França defende é a agenda tradicional da política externa brasileira, de respeito ao multilateralismo e dos direitos humanos, solução pacífica de controvérsias. A partir do governo Bolsonaro, o Brasil começou a agir contra a sua tradição e contra o bom senso, em vários sentidos”, ressalta.
Frederico Mellado/ARG
Distanciamento político tende a permanecer, principalmente se Macron e Bolsonaro continuarem no poder
Tapete vermelho para Lula
Mas o cenário deve ser outro se Brasília mudar de rumo nas próximas eleições presidenciais, em outubro. Ventura afirma que Macron espera poder dialogar melhor com o Brasil se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltar ao poder, em especial sobre a agenda ambiental. Em novembro, Lula esteve em Paris e foi recebido pelo chefe de Estado de francês com ares de presidente.
“Na minha opinião, é evidente que se o Lula voltar à presidência do Brasil, a França será um dos primeiros países a convidá-lo oficialmente”, aposta o especialista francês. “Se Macron for reeleito, ele terá um grande interesse em termos de imagem, de posicionamento politico, de mostrar que ele tem as melhores relações possíveis com o maior líder da esquerda latino-americana, já que na França ele se esforça para manter a imagem de que governa entre a esquerda e a direita – embora, na prática, ele seja cada vez mais de direita. Portanto, para ele, vai ser interessante poder se mostrar ao lado de Lula”, analisa.
Marine Le Pen, por sua vez, chegou a ensaiar uma aproximação com Bolsonaro após a eleição do líder da extrema direita, em 2018. Mas diante das declarações do presidente de encontro à França, logo tomou distância do brasileiro.
Christophe Ventura avalia que ambos são “são produto da crise econômica e social, a desconfiança generalizada e crescente em relação às instituições e a democracia”, entre outros aspectos. Mas diferenças importantes os opõem – Le Pen declarou que Bolsonaro fez comentários “desagradáveis que não podem ser transferidos para o contexto francês”, argumentando que o Brasil “tem uma cultura diferente”.
“Há uma rejeição do globalismo, reivindicada por Le Pen nessa reta final da campanha, de defesa do Ocidente cristão ante às ameaças culturais e religiosas, a ideia do choque de civilizações, a rejeição dos muçulmanos e dos direitos das minorias. Entretanto, apesar de algumas similaridades, eu não acho que as relações entre Marine Le Pen e Jair Bolsonaro tenham se desenvolvido, nos últimos anos”, constata Ventura.
Acordo UE-Mercosul
Do ponto de vista econômico, a visão mais nacionalista de Le Pen potencialmente acarretaria prejuízos ao Brasil. A candidata é uma ferrenha crítica à União Europeia e à globalização – pelos dois aspectos, sua visão de mundo prejudica o comércio internacional. Obviamente, ela se opõe ao acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, que beneficiaria as exportações brasileiras de produtos agrícolas para o bloco europeu.
“A questão do protecionismo agrícola vai falar muito mais alto. Esse é o público dela: a maior parte dos seus eleitores está na França profunda. Seria muito difícil conseguir que esse acordo avançasse”, diz Ramalho Rocha. “Mas o fato é que, de qualquer forma, o acordo não acontecerá enquanto o Bolsonaro estiver no poder. Isso está muito claro. Não é uma questão de Le Pen ou Macron: é uma questão de uma reação muito forte das sociedades europeias às posturas brasileiras em relação a uma série de políticas, especialmente as ambientais”, salienta.