A França completa neste domingo (19/06), com o segundo turno de votação, o processo eleitoral para decidir a próxima composição de sua Assembleia Nacional legislativa.
A primeira rodada ocorreu no dia 12 de junho, na qual a coalizão de Emmanuel Macron, Ensemblé (“Juntos”, em tradução livre), recebeu mais de 5,85 milhões de votos, 25,75% do total. Em segundo lugar, a Nova União Popular Ecológica e Social (Nupes), coalizão de forças de esquerda, ficou com 25,66%.
Em seguida, vieram colocados o partido de extrema direita Reagrupamento Nacional (18,68%) e a coalizão União da Direita e do Centro, com 11,29%.
Desse modo, a tendência é que tanto a esquerda, que conseguiu formar um bloco unitário após período de divisões e assim ter uma votação expressiva, como a extrema direita francesa, considerados seus diferentes grupos, caminham para aumentar consideravelmente suas bancadas no Parlamento. Ainda assim, pesquisas de opinião apontam que Macron pode conseguir manter sua maioria parlamentar mínima de 289 cadeiras
Com um sistema eleitoral distrital, agora os eleitores decidirão entre os dois candidatos mais votados de cada distrito, terminando de configurar seu Parlamento de 577 representantes. Projeção da empresa de pesquisas Harris Interactive indica que a coalizão de Macron deve conseguir entre 257 e 297 cadeiras, contra 161 a 219 da Nupes, algo entre 23 e 45 cadeiras do Reagrupamento Nacional e 45 a 65 cadeiras da União da Direita e do Centro.
Durante seu primeiro mandato como presidente, Macron desfrutou de uma confortável maioria parlamentar, mas é possível que o mesmo cenário não se repita após ele conquistar sua reeleição contra Marine Le Pen e Jean-Luc Mélenchon em abril.
“Não foi um resultado bom para Macron”, afirma ao Brasil de Fato o professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) Kai Enno Lehmann, mas o pesquisador ressalta que tampouco o cenário é “desastroso”. “Está muito aberto como vai ser o segundo turno, mas ainda não dá pra dizer que ele [Macron] vai definitivamente sair derrotado.”
Extrema direita terá mais dinheiro
Apesar de ter disputado o segundo turno contra Macron em 2017 com Le Pen, o Reagrupamento Nacional elegeu apenas oito parlamentares naquele ano. Com os resultados mais recentes, o partido superará a marca de 15 cadeiras necessárias para formar um grupo parlamentar. Como cada deputado tem direito a mais de 37 mil euros em subsídios estatais por ano e também existem outros mecanismos de financiamento público, o partido deve garantir cerca de 7 milhões de euros por em recursos estatais, segundo estimativa da France 24.
Além de ter mais dinheiro no bolso, a agremiação terá ainda outros benefícios com seu futuro grupo parlamentar, como mais tempo de fala nas sessões legislativas e mais escritórios parlamentares.
Reprodução/ @EmmanuelMacron
Segundo turno das legislativas pode tirar de Emmanuel Macron maioria no Parlamento
Apesar de novamente ser derrotada por Macron por uma larga margem na última eleição presidencial, Le Pen ampliou seu eleitorado e teve 2,6 milhões de votos a mais em 2022 do que na eleição anterior. Pela primeira vez, a radical de direita ultrapassou a marca de 40% dos votos.
Esquerda supera divisões e demonstra força
Após Mélenchon ficar de fora do segundo turno das eleições presidenciais por pouco mais de 400 mil votos, as forças progressistas da França se reuniram na Nupes para disputar as eleições legislativas. A coalizão reúne a França Insubmissa, o Partido Comunista da França, o Partido Socialista e a Europa Ecologia – Os Verdes.
Em seu programa de governo, a Nupes defende considerar vínculos com plataformas digitais como Uber como status empregatício, aumentar o salário mínimo, investir no transporte público e parar de conceder subsídios aos combustíveis fósseis, diminuir a idade de aposentadoria, entre outras medidas.
“A criação desse grupo representa uma mudança bastante importante na história política recente da esquerda na França, que saiu muito enfraquecida depois da presidência de [François] Hollande”, diz Lehmann. “O teste vai ser no Parlamento, governando ou pelo menos contribuindo para a governança do país.”
A coalizão, todavia, também tem suas diferenças. Enquanto a França Insubmissa e o Partido Comunista defendem a saída do país do comando integrado da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), o Partido Socialista defende que a França continue na aliança militar liderada pelos Estados Unidos.
Para o professor de relações internacionais da USP, a coalizão provavelmente deverá focar nos seus consensos quando chegar ao Parlamento.
E se Macron precisar ampliar sua coalizão?
Caso o presidente não conseguir ter os 289 deputados necessários para formar uma maioria na Assembleia, ele poderá precisar ampliar seu círculo de aliados. Sem esses votos no legislativo, Macron pode ter dificuldades, por exemplo, de executar seu plano de aumentar a idade de aposentadoria de 62 para 65 anos.
Um possível rumo da aliança macronista poderá ser a coalizão “União da Direita e do Centro”, que tem Os Republicanos, que já teve como líder o ex-presidente Nicolas Sarkozy, como principal partido. A coalizão recebeu 10,42% dos votos no primeiro turno.
“Macron realmente acredita que ele é do centro, não é da esquerda, não é da direita e certamente não é dos extremos. Então se ele tivesse que construir uma coalizão, seja formal ou informal, com Os Republicanos, não me parece uma coisa com a qual ele ficaria muito constrangido. Cairia bem em muitos aspectos na autoimagem de Macron”, afirma Lehmann.