A destituição de Pedro Castillo como presidente do Peru, finalmente concretizada nesta quarta-feira (07/12), foi o desfecho previsível de um governo que colecionou problemas desde o seu primeiro dia, e que terminou com um último de muitos erros de cálculo político do agora ex-mandatário.
O governo Castillo começou e terminou conturbado. O então líder do partido de esquerda Peru Livre foi eleito em junho de 2021 após uma acirrada disputa com Keiko Fujimori, da legenda conservadora Força Popular, fundada pelo seu pai, o ex-ditador Alberto Fujimori – que realizou a última dissolução do Congresso no Peru, em abril de 1992.
Na ocasião, Castillo obteve 50,12% dos votos, contra 49,88% de Fujimori, uma diferença de pouco mais de 42 mil votos, que demorou semanas em ser confirmada pelas autoridades eleitorais, e ainda precisou passar por diferentes instâncias judiciais nas quais a opositora tentou contestar os resultados da apuração.
Mesmo com contestações infundadas, ele tomou posse como presidente no dia 28 de julho com a difícil missão de governar um país que teve quatro presidentes nos seis anos anteriores, e com um Congresso claramente hostil, com maioria dos partidos direitistas.
Ainda assim, os planos que tinha no começo de seu governo eram audaciosos: Castillo planejava iniciar o processo de uma constituinte plurinacional, para substituir a atual Constituição do ditador Fujimori, lançar programas sociais de renda mínima e promover a criação de empregos através de um projeto de industrialização do país.
Porém, a hostilidade da oposição no Congresso também foi percebida desde o seu primeiro dia. Segundo a lei peruana, o presidente precisa nomear o seu chefe do Conselho de Ministros, espécie de líder do Ministério, que a imprensa local inclusive chama, às vezes, de primeiro-ministro – embora esse conceito seja diferente do que são os premiês nos países parlamentaristas europeus, por exemplo.
Contudo, também vale acrescentar que este precisa ser ratificado pelo Parlamento para ser efetivado no cargo.
As mudanças contínuas de gabinete
Todos os nomes propostos por Castillo para essa chefia sofreram resistência do Legislativo, a começar pelo primeiro, o socialista Guido Bellido, que só durou dois meses e oito dias no cargo.
Ele foi substituído por Mirtha Vásquez, da também progressista Frente Ampla, que não durou muito mais tempo no cargo – apenas três meses e 23 dias como premiê – mas ao menos demonstrou maior jogo de cintura diante dos obstáculos lançados pela oposição.
Tanto é assim que foi durante sua gestão que o governo enfrentou o primeiro pedido de moção de vacância contra Castillo, em dezembro de 2021. A habilidade de Vásquez na articulação política barrou a manobra opositora já na primeira votação, quando se discutia a abertura do processo.
Porém, naquele mesmo dezembro de 2021, as divergências entre o presidente e sua primeira-ministra, assim como entre os partidos de ambos – Peru Livre e Frente Ampla, respectivamente – começaram a vir à tona. No final de janeiro, ela e outros 10 ministros renunciaram aos seus cargos.
O sucessor de Mirtha foi o congressista de extrema direita Héctor Valer, que obteve o recorde negativo de apenas sete dias no cargo. Contudo, sua nomeação representou uma guinada no governo de Castillo, que passou a abandonar os setores políticos de esquerda para conformação de sua base de sustentação, passando a se agarrar em qualquer conglomerado que lhe permitisse reunir uma maioria para garantir governabilidade.
Foi com essa estratégia que, em 8 de fevereiro de 2022, o jurista Aníbal Torres, outra figura de direita, assumiu a chefia do Conselho de Ministros, iniciando o período mais longevo neste cargo dentro do mandato de Castillo – durou 10 meses e 16 dias, até novembro passado.
Presidência do Peru
Castillo foi afastado na quarta-feira (07/12) da Presidência do Peru após tentar fechar o Congresso
Processos de impeachment e saída do Peru Livre
Em março, a oposição apresentou novo pedido de moção de vacância contra Castillo. Dessa vez sim houve votação, e uma forte campanha internacional de apoio ao mandatário peruano, incluindo apelos dos presidentes da Argentina, Alberto Fernández, do México, Andrés Manuel López Obrador, e da Bolívia, Luis Arce.
No dia 29 de março, o Congresso do Peru deu apenas 55 votos em favor da destituição de Castillo, muito menos que os 87 necessários para afastá-lo do cargo. O resultado fortaleceu o presidente, que enfrentava também problemas com sua popularidade, mas que passou a se recuperar nas pesquisas – mesmo que timidamente – a partir de então.
A partir de abril, a oposição passou a alimentar diferentes atos populares contra o mandato de Castillo, desde greves de caminhoneiros a manifestações de organizações diversas.
Em junho, o premiê Torres denunciou um “assédio permanente da imprensa e da direita, um plano político, midiático e judicial para desacreditar e realizar um golpe contra o presidente”. As declarações não ajudaram, pelo contrário, isolaram o governo ainda mais. Um mês depois, Castillo abandonou o seu partido, Peru Livre, e abraçou o setor político mais à direita, liderado pelo seu primeiro-ministro.
Em agosto passado, Torres ganhou mais força no cargo, após apresentar sua renúncia e esta ser rejeitada pelo presidente. Para manter o seu premiê, Castillo cedeu ao pedido deste de mudar alguns ministros e incluir nomes indicados por ele, em pastas estratégicas como Trabalho, Relações Exteriores, Economia, Transportes e Comunicações.
A ofensiva da oposição
Entre agosto e outubro deste ano, começaram a surgir denúncias de corrupção envolvendo Castillo e pessoas da sua família, como sua esposa, Lilia Paredes, e três cunhados, Walter, David e Yenifer Paredes.
O assédio contra o governo no Legislativo e no Judiciário fez o presidente denunciar na Organização dos Estados Americanos (OEA) uma tentativa de golpe de Estado contra o seu governo. Em paralelo a isso, algumas organizações de esquerda que, ainda apoiavam o seu governo, realizaram manifestações contra as estratégias golpistas da oposição.
No final de novembro, Torres renunciou pela segunda vez ao cargo de chefe do Conselho de Ministros, e desta vez teve o seu pedido aceito. Em seu lugar, Castillo nomeou Betssy Chávez, do partido Peru Livre, o que marcou uma reconciliação do mandatário com a legenda que o elegeu.
Mas esta mudança não surtiu efeito na crise política. Uma semana depois, a oposição apresentou o terceiro pedido de moção de vacância, o qual foi aprovado nesta quarta-feira com 101 votos a favor, muito mais que os 87 necessários.
Antes de ser destituído do cargo, Castillo anunciou a decisão de dissolver o Congresso e instaurar um governo de exceção, mas esta não foi acatada por nenhuma instituição peruana. Pelo contrário, fez com que todos os possíveis aliados nacionais e internacionais que ele poderia reunir contra a manobra opositora se vissem constrangidos em tentar apoiá-lo.
Horas após a votação no Congresso, a Polícia Nacional do Peru prendeu Castillo e o manteve sob custódia em uma sala da prefeitura de Lima, capital do país. Enquanto isso, a outrora vice-presidente Dina Boluarte assumia o seu lugar como nova presidente do Peru.