Em meio à mais recente crise política no Peru, iniciada após a destituição do agora ex-presidente Pedro Castillo, no último dia 7 de dezembro, surgem personagens com histórias das mais curiosas, que ressaltam o cenário de aparente inviabilidade institucional do país.
Essa situação está mais evidente na série de mandatários que não conseguiram terminar seus mandatos – antes de Castillo, Pedro Pablo Kuzcynski, Martín Vizcarra e Manuel Merino, sendo que este último durou apenas 5 dias no poder. Porém, também há casos regionais que servem como exemplo.
Um deles é o do padre Luis Bazalar, ou melhor, do ex-padre. Bazalar era sacerdote da cidade de Ayacucho, no Peru, até 2016, quando teve que enfrentar uma denúncia de abuso sexual contra um jovem menor de idade.
Em primeira instancia, ele foi condenado, pelo Tribunal regional de Ayacucho. Porém, meses depois, a Suprema Corte do Peru anulou a primeira sentença e o inocentou, ao considerar que a acusação carecia de provas.
No entanto, as autoridades da Igreja Católica no Peru nunca reconheceram a decisão do órgão máximo da Justiça do país. Bazalar foi expulso da congregação após receber a primeira condenação, e solicitou sua reincorporação após a decisão que o absolveu, mas seu pedido nunca foi atendido.
Carta ao Papa Francisco
Atualmente, ele reclama no Vaticano, e uma das suas esperanças é a de ser ouvido pelo próprio Papa Francisco. “Estamos na terceira via, canonicamente falando, que é o apelo direto ao Santo Padre. Enviei uma carta pessoal a ele com todos os argumentos, mostrando que meu julgamento canônico foi injusto e viciado, em forma e substância”, explicou.
“Paralelamente, apresentamos também um recurso perante o Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, para demonstrar que houve violações formais e substantivas do devido processo, como o fato de eu não ter direito a um advogado canônico”, agregou Bazalar.
No Peru, seu caso é dado como encerrado, segundo Bazalar, pela forte influência do arcebispo de Ayacucho, Salvador Piñeiro García, que já foi presidente da Conferência Episcopal Peruana (de 2012 a 2018) e também comandou a Diocese Militar (de 2001 a 2012).
Segundo o próprio ex-sacerdote, a negativa da Igreja Católica tem um contexto político. Bazalar é conhecido em sua região por ser um padre com forte atuação junto a movimentos regionalistas, e também bastante ativo nas redes sociais.
Arquivo pessoal
O ex-sacordote peruano Luis Bazalar
Posturas políticas
As posturas políticas de Bazalar incomodam tanto o arcebispado local de Ayacucho quanto a Conferência Episcopal. Em 2021, quando já havia sido expulso da Igreja, o religioso apoiou a candidatura de Castillo, que obteve 82,6% dos votos na região.
“A minha postura não é partidária, mas é uma postura política. Eu sempre denunciei os problemas sociais da minha região (Ayacucho), sempre cobrei os governos de diferentes setores políticos, e também internamente, na Igreja, expus as atrocidades da arquidiocese, dos hierarcas da Conferência Episcopal, como alguns deles usam os pobres para viver como ricos enquanto nossos irmãos que vivem nos Andes, na selva ou na Costa desértica passam fome”, reclama Bazalar.
Durante a atual crise política, o ex-padre também defendeu o mandato de Castillo, e disse que a moção de vacância apresentada pela oposição ao seu governo era uma forma de golpe de Estado.
Após a destituição, Bazalar gravou vídeos a favor das manifestações que pedem a realização de novas eleições no país já em 2023. Ele também apoia a realização de uma assembleia constituinte no Peru, por considerar “obsoleta” a atual carta magna – imposta em 1993 pelo ditador Alberto Fujimori.
Protestos em Ayacucho
Ayacucho é um dos principais focos das manifestações que tem sido quase diárias no Peru desde o dia 10 de dezembro, e também da violência contra os manifestantes. Das 27 mortes registradas até o momento pela Coordenadora Nacional de Direitos Humanos (CNDDHH), 10 ocorreram nessa região.
Segundo Bazalar, “as manifestações em Ayacucho são espontâneas, de uma população que se sente excluída das decisões sobre o futuro do país. Não ignoro que possa haver gente infiltrada ou até alguns casos vandálicos, que devem ser contidos, mas isso não justifica o atuar da polícia a extrema violência, o atirar para matar. Isso não pode ser tolerável em uma democracia”.
“A repressão nunca é um bom caminho, é violentar um povo que está reclamando por seus direitos, e nessa conjuntura está claro que o povo tem o direito de reclamar e de querer que sua voz também seja escutada, que a saída dessa crise seja feita escutando também a voz do povo, não só as das pessoas que têm poder”, concluiu o ex-sacerdote.