Nos Jogos Olímpicos de Barcelona de 1992, o “Dream Team” (“time dos sonhos”), equipe de superstars do basquete dos Estados Unidos que incluiu Magic Johnson e Michael Jordan, conquistou o ouro com uma série de brilhantes performances.
Para chegar a 1992, é preciso voltar 20 anos. No começo da madrugada de 10 de setembro de 1972, em Munique, Doug Collins, da equipe de basquete dos Estados Unidos, permanecia estendido no chão, jogado que foi contra a tabela pelo jogador da União Soviética, Zurab Sakandelidze. Collins põe-se de pé, recompõe-se e anota dois lances livres dando a seu time a vantagem de 50 a 49. Faltando 3 segundos para o encerramento, já tinham dado a partida como ganha. Estavam enganados.
Entre um e outro lance livre de Collins, o assistente-treinador soviético, Sergei Bashkin, havia pedido tempo. Após alguma agitação, os árbitros mesários concederam um segundo mais. Quando o jogo recomeçou os soviéticos não conseguiram marcar e os jogadores norte-americanos passaram a celebrar a conquista do ouro.
Estabelecida a confusão, o secretário-geral da Fiba (Federação Internacional de Basquetebol Amador), William Jones, intervém – apesar de não ter autoridade para tanto – e ordena que o relógio fosse reiniciado faltando 3 segundos. Jogo retomado e outra vez os soviéticos não conseguiram marcar. Uma vez mais o time dos Estados Unidos comemorou e uma vez mais estavam enganados.
Os soviéticos alegaram que o árbitro mandara reiniciar o jogo quando o relógio ainda estava sendo reiniciado e que os 3 segundos deveriam ser novamente jogados. Com a defesa norte-americana desarrumada e a atenção dispersada, Ivan Edeshko, do fundo da quadra, num passe longo, encontrou debaixo do aro a Alexander Belov que trombou com dois defensores, saltou e encestou: 51 a 50. Era a primeira vez que os Estados Unidos haviam perdido em 63 partidas olímpicas jogadas. Recorreram do resultado, perderam e se recusaram a receber a medalha de prata.
Quatro anos mais tarde, em Montreal, os Estados Unidos estavam ávidos por uma revanche e pela recuperação do orgulho norte-americano. Todavia, um incrível desempenho da Iugoslávia derrotou de forma acachapante a União Soviética e a oportunidade se esvaiu, embora a equipe norte-americana tenha conquistador o ouro. Boicotes mútuos nos Jogos Olímpicos de Moscou em 1980 e de Los Angeles em 1984 impediram novo confronto, que só poderia ocorrer nos Jogos de Seul em 1988.
Desta vez encontraram-se na semifinal, porém o resultado foi uma repetição de Munique, se bem que em circunstâncias muito distantes da controvertida final de 16 anos antes. Os soviéticos marcaram impressionantes 10 pontos de vantagem no primeiro meio tempo. No segundo tempo, os norte-americanos encurtaram a distância para 2 pontos e faltando um minuto exato para o fim da partida a diferença era de 3 pontos. Os soviéticos conseguiram conter o adversário e o jogo terminou com o placar de 82 a 76.
À derrota para o rival da Guerra Fria juntou-se o fato de não poder se vingar dos eventos de 1972 e a derrota na semifinal do Campeonato Mundial de 1990 para a Iugoslávia, além da desconcertante derrota para o Brasil nos Jogos Pan-Americanos de Indianápolis em 1987, a primeira vez que a seleção norte-americana perdia um jogo em casa e a primeira vez que tomou mais de 100 pontos diante de sua torcida. Algo tinha de ser mudado.
A mudança teve lugar em 17 de abril de 1989, quando membros da Fiba discutiram se se poderia permitir que atletas da NBA (National Basketball Association) participassem dos Jogos Olímpicos. Outros atletas profissionais de vários países tiveram essa permissão.
Contudo, a federação norte-americana responsável pela condução do basquete nos Estados Unidos mostrou-se preocupada que a presença de atletas da NBA pudesse gerar partidas totalmente assimétricas, disputas sem interesse e consequentemente menores quotas financeiras da televisão. Entretanto, eram minoria e a moção em favor da participação dos atletas da NBA foi vencedora por 56 a 13. Barcelona 1992 seria a sede dos primeiros Jogos Olímpicos a incluir jogadores da NBA.
David Dupree, repórter do USA Today, escreveu: “Você pode jogar uma moeda para o ar para saber quem foi o melhor dos demais times. Porém o de 92 não precisa jogar a moeda.” A esquadra, dirigida por Chuck Daly, era composta de Larry Bird, Magic Johnson, Michael Jordan, Karl Malone, Scottie Pippen, Charles Barkley, Patrick Ewing, David Robinson, Clyde Drexler, Chris Mullin, John Stockton e Christian Laettner. Era um conjunto de basquete de extremo brilho. Muitos deles pontificavam em seu esporte há cerca de duas décadas e cada um deles, com exceção de Laettner, já estavam inscritos no Hall da Fama do basquete e tinham conquistado múltiplos títulos.
A qualificação para Barcelona começou com uma partida contra Cuba em junho de 1992 no Torneio das Américas em Portland, Oregon. Qualquer sensação de hostilidade entre as duas nações esvaiu-se com o espocar de flashes, uma vez que os cubanos queriam posar ao lado de seus ídolos em plena quadra. Quando o jogo terminou, o placar mostrava uma vantagem de 79 pontos em favor da equipe norte-americana. “É uma máquina de jogar basquete, uma máquina perfeita”, afirmou o treinador de Cuba, Miguel Calderón Gómez. “Somente outra equipe da NBA poderia ter alguma chance. Nós não tivemos nenhuma. Como dizemos em Cuba, ‘não se pode tapar o sol com um dedo’”. Os Estados Unidos não perderam nenhuma partida, ganhando todas as seis com uma vantagem média de 51,5 pontos.
A chegada em Barcelona foi um alvoroço. “Era como se Elvis e os Beatles tivessem chegado juntos”, disse Daly. “Viajar com o ‘Dream Team’ era como viajar com 12 estrelas do rock.” Entretanto, havia uma desvantagem em relação ao estilo de adulação aos roqueiros. Os jogadores recebiam ameaças de morte e eram constantemente acompanhados por guardas de segurança armados, bem como um helicóptero e carros blindados no trajeto para o treinamento e os jogos. Em lugar de estarem alojados na Vila Olímpica com os demais atletas, foram encerrados em quartos de hotel cuja diária chegava a mil dólares.
“Em nosso hotel só se podia entrar exibindo documento de identidade com fotografia. Na piscina, no topo do hotel, quando lá nos banhávamos, dez guardas com metralhadoras cuidavam da nossa segurança”, disse Barkley. “As pessoas achavam que não queríamos ficar na Vila Olímpica porque nós nos considerávamos importantes demais. A verdade é que ficamos isolados devido às ameaças de morte. Disseram-nos que se algum atleta do ‘Dream Team’ fosse abatido por terroristas, isto seria considerado um grande triunfo para eles.” A claustrofobia levou finalmente Barkley a ignorar as ameaças e caminhar pelas ruas de Barcelona, acompanhado de uma falange de fãs.
Em Barcelona, nenhuma equipe pôde se equiparar às habilidades da norte-americana. Nos sete jogos que a levaram à final contra a Croácia, puderam orgulhar-se de sete inéditas vitórias acima dos 100 pontos, ostentando uma média de 117 pontos por disputa. A sua menor margem sobre o adversário foi de 33 pontos; a mais ampla, de 68. Manifestando reverência ao “Dream Team”, jogadores adversários repetidamente posaram para fotos tiradas por seus colegas de equipe nos intervalos das partidas. Era um bola ao cesto de deixar qualquer um boquiaberto e com altos placares, mas tudo isso nada significaria se não levassem o ouro para casa e recuperassem a reputação do país nesse esporte em Olimpíadas. Na noite anterior à contenda, a fim de lembrar ao time o que deveria fazer em quadra, Daly ordenou aos jogadores que assistissem à final de Munique.
Faltando 9 minutos e 44 segundos para o encerramento do primeiro tempo, as arquibancadas do Palau d'Esports de Granollers reverberam o barulho da torcida da Croácia, em meio à qual se encontrava seu primeiro presidente Franjo Tudjman. Estavam ganhando por 25 a 23. Contudo os sonhos, logo se desvanesceram e a Croácia sucumbiu ante à realidade. Jordan marcou 22 pontos, enquanto Barkley encestou sete de oito lances à cesta. Enfim, o “Dream Team” caminhou para uma retumbante vitória: 117 a 85. Os Estados Unidos terminaram com oito vitórias em oito jogos, com uma vantagem média de 43,8 pontos. O técnico Daly não pediu um único tempo no curso do torneio olímpico.
Vinte anos após os eventos de Barcelona, o comissário da NBA, David Stern, insistiu que “não se tratava de ganhar a medalha de ouro” ou maquiar precedentes derrotas. “Tratava-se do desejo da Fiba de elevar a modalidade a um nível internacional, acreditando que o melhor a fazer era envolver os atletas da NBA nos Jogos Olímpicos e nos campeonatos mundiais.”
Certamente essa foi a intenção, mas jamais a motivação. “Queremos trazer a medalha de ouro de todo modo”, havia dito Barkley após a qualificação de Oregon, “a medalha que nunca deveríamos ter perdido.”
A caminhada fulgurante do “Dream Team” à vitória conquistou exatamente o que se propôs. “Éramos capazes de realizar aquilo que todos esperavam de nós”, afirmou Michael Jordan após a final. “Podemos agora nos orgulhar novamente da história do basquete norte-americano”.
*A série Grandes Momentos Olímpicos foi concebida e escrita no ano de 2015 pelo advogado e jornalista Max Altman, falecido em 2016.