Oito metros e noventa centímetros. Em 47 anos, nenhum ser humano conseguiu ultrapassar esta distância. Ao menos não na competição de salto em distância dos Jogos Olímpicos. No dia 18 de outubro de 1968, no Estádio Olímpico da Cidade do México, o norte-americano Bob Beamon, nascido no bairro de Queens, em Nova York, destroçou o então recorde mundial na modalidade.
Naquele ano, Beamon chegou como favorito aos jogos após uma temporada espetacular, com 22 vitórias em 23 competições disputadas. Bob também havia quebrado o então recorde mundial naquele ano, mas não teve o registro do salto homologado, pois o vento a favor dele estava acima do permitido pela norma da competição.
No início das Olímpiadas de 1968, detinham a melhor marca na modalidade o soviético Igor Ter-Ovanesyan e o norte-americano Ralph Boston, com saltos na distância de 8,35 metros. Ambos os atletas eram, ao lado do galês Linn Davies, campeão olímpico em Tóquio em 1964, os principais concorrentes de Beamon na competição. Esta marca avançou apenas 22 centímetros desde o salto de 8,13 metros registrado por Jesse Owens em 1935. Com um único salto, Bob Beamon pulverizou o então recorde em 55 centímetros. Em um pulo, Beamon foi 250% melhor do que todos os atletas nos últimos 33 anos.
Após 22 anos e 316 dias, Bob viu seu recorde mundial ser superado apenas por Mike Powell (atual recordista mundial), que saltou 8,95m no Campeonato Mundial da modalidade realizado em Tóquio. No entanto, em Olímpiadas, pelo menos até a Rio 2016, nenhum atleta havia conseguido superar a marca de Beamon.
Robert “Bob” Beamon foi criado por sua avó. Sua mãe morreu aos 25 anos, vítima de tuberculose, quando Bob tinha apenas 8 meses. Mais tarde, descobriu que sua foi abusada fisicamente pelo seu pai e que ameaçara matar Bob se a mãe o levasse de casa.
No colegial, o atleta foi descoberto por Larry Ellis, um renomado técnico de atletismo. Em 1965, Beamon era o segundo colocado na lista dos melhores no salto em distância. O desempenho rendeu uma bolsa de estudos na Universidade do Texas em El Paso. Neste mesmo ano, Beamon foi suspenso pela universidade após se recusar a competir contra a Brigham Young University, alegando práticas racistas desta escola. Sem técnico, seu colega Ralph Boston, então campeão olímpico, começou a treiná-lo extraoficialmente.
Os Jogos Olímpicos de 1968 foram abertos 10 dias depois do exército mexicano massacrar um grupo de estudantes que protestavam na Praça das Três Culturas, no bairro de Tlatelolco da Cidade do México. Os apelos para que os Jogos fossem adiados foram ignorados pelo Comitê Olímpico Internacional.
Durante a competição, a expectativa era de que a explosiva passada de Beamon na pista de aproximação fazia dele o único atleta com suficiente talento para ultrapassar a ‘mágica’ marca dos 8,50 metros. Na disputa, no entanto, quase ficou de fora da final quando em suas duas primeiras tentativas na fase classificatória queimou por mais de um pé seus saltos. Com apenas mais uma chance pela frente, Beamon seguiu o conselho de seu amigo Boston, recuou a marca do início da corrida, dispara vigorosamente, acerta corretamente a tábua e, para seu alívio, salta 8,19 metros, o suficiente para levá-lo à final.
“Na noite anterior à final eu era um feixe de nervos. Saí da Vila Olímpica e tomei alguns goles de tequila, algo que pudesse me deixar um pouco mais calmo”, revelou Beamon em entrevista ao The Guardian em 2007. Além disso, em sua biografia, ele também afirmou ter feito sexo com sua namorada. “Cometi pecados capitais para um esportista”, escreveu.
Beamon estabeleceu, em sua primeira tentativa na prova final, a marca de 8,90m. Na segunda tentativa saltou meros 8,04 metros, desistindo das demais quatro tentativas a que tinha direito.
“Não conseguia sentir minhas pernas e parecia estar flutuando”, contou Beamon em entrevista. Partiu, percorrendo a pista de aproximação do jeito de um homem acostumado a correr em pouco mais de 10 segundos os 100 metros. Bateu na tábua com perfeição, jogou os braços para cima a fim de prolongar o momento de aterrissagem e tocou o solo três segundos após o primeiro tranco. Suas costas rasparam por uns instantes na areia e ele prosseguiu no salto como um canguru voando para fora do tanque de areia.
Após o salto ser validado pela bandeira branca dos juízes, Bob pensou que talvez tivesse estabelecido um novo recorde algo como 8,40 metros. Soltou um palavrão, maldizendo-se por ter atingido antes a bunda na areia, reduzindo em pelo menos 30 centímetros sua marca.
Seus concorrentes Davies e Boston se entreolharam, imaginando que Bob tivesse alcançado os 8,50 metros, mas não sabiam com certeza. Beamon aterrissou em seu salto perto do final do tanque de areia. Um aparelho óptico instalado para medir a distância não previu um salto tão extenso. Os juízes da prova tiveram de medir o salto manualmente, com uma trena metálica. Mais de 20 minutos depois o placar eletrônico anunciava a marca: 8,90 metros.
Beamon, que não estava familiarizado com o sistema métrico decimal, não se deu conta do acontecido. Ralph Boston então lhe revelou que havia quebrado o recorde mundial em cerca de 2 pés (60,96 centímetros).
Beamon ficou chocado. Seu corpo fraquejou e ele caiu sobre os próprios joelhos, cobrindo o rosto com ambas as mãos. Numa das mais duradouras imagens dos Jogos, seus competidores ajudaram-no a se pôr de pé. “Beamonesque” se tornou, entre os esportistas, uma expressão para descrever façanhas espetaculares.
Pouco depois do pulo de Beamon, uma chuva torrencial impediu que os outros competidores sequer tentassem se aproximar da façanha de Beamon. Naquela oportunidade, Klaus Beer, da Alemanha Oriental, levou a medalha de prata com um salto de 8,19m.
Para estabelecer seu recorde, Beamon aproveitou-se de fatores ambientais. Numa altitude de 2240m, a Cidade do México oferece menor resistência do ar do que ao nível do mar. Ele também se beneficiou pelo vento de 2 m/s, o máximo permitido pelas regras. A estimativa é de que altitude e vento, juntos, teriam melhorado o salto de Beamon em 31 centímetros. Além do recorde de Beamon, por exemplo, no mesmo horário Lee Evans estabeleceu novo recorde Mundial para os 400 metros (43,79) que perdurou por quase 20 anos.
Após conquistar a medalha de ouro no México, a melhor marca alcançada por Beamon foi 8,22m. Seu recorde mundial foi considerado, pela revista Sports Illustrated, como um dos cinco maiores momentos do esporte no século 20.
*A série Grandes Momentos Olímpicos foi concebida e escrita no ano de 2015 pelo advogado e jornalista Max Altman, falecido em 2016.