Seu sonho era tornar-se um craque de futebol. Para o menino de pernas finas, nascido no bairro da Casa Verde em São Paulo em setembro de 1927, isso nunca iria acontecer. Mas, de todo modo, Adhemar Ferreira da Silva conquistaria o reconhecimento internacional ao ganhar duas vezes seguidas a medalha de ouro olímpica no salto triplo: nos Jogos de Helsinque 1952, e de Melbourne, em 1956.
Adhemar nasceu filho de um ferroviário e de uma empregada doméstica. Gostava de contar como passou a se interessar pelo esporte que o levou a ser campeão olímpico: “Certa noite, estava conversando com um amigo na esquina da avenida Ipiranga com a São João, quando perguntei a ele o que estava fazendo. E ele: ‘Nas horas livres, sou atleta, pratico atletismo no São Paulo Futebol Clube’. Gostei da palavra atleta e disse: ‘quero ser atleta também’.”
Levado ao campo de treinamento do clube, viu que atletas praticavam as mais variadas modalidades de corrida, arremessos e saltos. O diretor de atletismo do clube, Evald Gomes da Silva, o recebeu dizendo que fazia o salto triplo. “Gostaria de tentar esse salto”, pediu. No dia seguinte, calçando um par de tênis, voltou ao clube. Evald deu-lhe algumas explicações e Adhemar executou o seu primeiro salto: 12,90 metros. Evaldo ficou impressionado e chamou o técnico alemão Dietrich Gerner. Adhemar tinha então 20 anos.
Gerner passou a ser seu treinador e mentor. Em dezembro de 1950, marcou 16,00 m em seu salto e igualou o recorde mundial do japonês Naoto Tajima, que vigorava desde 1936. Quase um ano depois, em novembro de 1951, superou sua própria marca saltando 16,01 metros na pista do Fluminense, no Rio de Janeiro.
Finalmente chegaram os Jogos Olímpicos de Helsinque, em 1952. Em suas seis tentativas, o medalhista de ouro iria bater sucessivamente o recorde olímpico e mundial da prova por quatro vezes: 16,05m; 16,09m; 16,12m e, por fim, 16,22m, performance que o levou ao topo do atletismo internacional.
Adhemar era aclamado pelo público toda vez que saltava. Após receber sua medalha, alguém sugeriu que ele se aproximasse das arquibancadas para saudar o público. Adhemar resolveu dar a volta por toda a pista. Era a primeira vez que alguém fazia isso, inaugurando o que passou a ser conhecido como a “volta olímpica” de grandes campeões em toda e qualquer modalidade esportiva.
Adhemar era elogiado pela elegância com que corria e saltava e por seus movimentos harmoniosos, voos e aterrissagens. A tuberculose encerrou sua carreira em 1960, após uma pálida participação nos Jogos Olímpicos de Roma, 1960. A despedida olímpica de Adhemar aconteceu com um salto de apenas 15,07 metros. O hábito de fumar, adquirido aos 16 anos, danificara seus pulmões.
O campeão olímpico confessou que uma das principais razões pela qual praticava esporte era para manter a aparência física e esta vaidade, acompanhada de certa arrogância, acompanhou-o até o fim. Teve uma participação especial interpretando a Morte em “Orfeu Negro”, filme do cineasta francês Marcel Camus de 1958 que ganhou a Palma de Ouro em Cannes e o Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira.
Ao contrário de muitos de seus colegas atletas, Adhemar dava grande importância à vida acadêmica, graduando-se em direito, educação física, relações públicas e artes. Tornou-se também fluente em seis idiomas, com inglês, francês, italiano e espanhol entre eles. Durante os anos 1950 e 1960 foi colunista do jornal Última Hora. Trabalhou como comentarista em vários Jogos Olímpicos. O bimedalhista de ouro foi adido cultural da embaixada brasileira em Lagos, Nigéria, entre 1964 e 1967.
Para pagar seu débito ao atletismo, que lhe deu tantas satisfações, como costumava dizer, Ferreira da Silva ajudou a promover diversos projetos, inclusive um complexo esportivo em Ponta Grossa, Paraná, para que comunidades pobres tivessem acesso ao esporte.
Embora não fosse esquecido pelo Brasil e pelos brasileiros, Adhemar costumava dizer que era mais conhecido no exterior. Em alguns países, sua efígie chegou a ser estampada em selos de correio. O Comitê Olímpico Internacional homenageou-o com a Medalha da Ordem Olímpica, concedida apenas aos melhores atletas de todos os tempos.
Quando em Sydney, Austrália, durante a realização dos Jogos Olímpicos de 2000, o COI lhe prestou uma homenagem, ele comentou: “Fico feliz em ser assim lembrado. Tinha receio que isto só aconteceria depois de minha morte. Então, tudo o que poderia ocorrer, era que algum prefeito desse o meu nome a alguma rua ou avenida.”
Sua vitoriosa carreira no salto triplo, em especial depois de sua vitória em Melbourne, Austrália, conferiu-lhe o epíteto de “Canguru Brasileiro”. O atleta teve ótimas performances também em Jogos Pan-Americanos, sendo tricampeão em Buenos Aires em 1951, Cidade do México em 1955 e Chicago em 1959. Tornou-se o primeiro atleta do Brasil a conquistar tal proeza. Na Cidade do México, saltou 16,56 metros, a melhor marca de sua vida, e estabeleceu pela quinta vez o recorde mundial.
Adhemar morreu de colapso cardíaco aos 73 anos em 14 de janeiro de 2001, não sem antes receber a Ordem do Mérito Olímpico – principal condecoração oferecida pelo Comitê Olímpico Internacional (COI). O campeão olímpico foi enterrado ao som do Hino Nacional no cemitério do Chora Menino em São Paulo, no mesmo túmulo em que sua mulher e seu filho foram também inumados. Seu corpo foi transportado em carro do Corpo de Bombeiros numa procissão de nove quilômetros através do centro de São Paulo, aplaudido pelas pessoas no seu trajeto.
*A série Grandes Momentos Olímpicos foi concebida e escrita no ano de 2015 pelo advogado e jornalista Max Altman, falecido em 2016