No dia 15 de maio de 1846, o Parlamento de Westminster revoga a Lei dos Cereais, aprovadas em 1815 por iniciativa dos grandes proprietários de terra que queriam proteger os agricultores britânicos das importações de grãos das colônias.
A indústria, naquela altura, já assumia a posição da agricultura enquanto motor da economia e o governo inglês não via mais qualquer utilidade naquele protecionismo. Ao revogá-las, Londres permitia que os trabalhadores se alimentassem com os alimentos de preço mais acessível. O efeito era o relaxamento das pressões sobre os salários pagos pelas companhias e um incentivo às exportações.
Os economistas ingleses, liderados por Richard Cobden (1804-1865), fazem da lei de 1846 um ato de fé das virtudes do livre mercado. As empresas britânicas não deixariam de enfrentar e eventualmente destruir seus concorrentes em nome da livre concorrência. Era o começo de uma segunda globalização, após o breve período de livre-mercado inaugurado pelo tratado franco-britânico Eden-Rayneval, de 1786.
O primeiro gesto protecionista do Reino Unido sobre cereais foi aprovado pela primeira vez em 1804, quando proprietários de terras, que dominavam o Parlamento, buscavam proteger seus lucros com pesados tributos sobre grãos importados. Durante as Guerras Napoleônicas, era praticamente impossível importar cereais da Europa. Isto levou a uma expansão da cultura do trigo na Grã Bretanha e a uma elevação do preço do pão.
Fazendeiros temiam que, com o fim da Guerra em 1815, a importação de cereais levaria a uma baixa no preço dos alimentos. O temor se justificava com a queda do preço da saca de 254 quilos de trigo de 126 para 65 libras. Os proprietários de terra pressionaram os membros da Câmara dos Comuns para agir em defesa dos lucros. O Parlamento respondeu aprovando uma lei que permitia a importação de trigo com isenção de impostos quando o preço doméstico caísse muito. Durante a aprovação dessa legislação, o Parlamento teve de ser defendido por tropas armadas contra a fúria da multidão reunida à frente.
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Nas eleições gerais de 1841, o líder da Liga Anti-Leis dos Cereais, Richard Cobden, foi eleito membro do parlamento
A população de cidades distantes de Londres, em franco crescimento, tinha aversão à lei visto que tinham de pagar preço alto pelo pão. Os industriais viam as Leis dos Cereais como um exemplo de como o Parlamento favorecia os grandes proprietários. Estavam receosos de que essas leis resultassem em demandas por aumentos salariais.
Em 1828, o parlamentar William Huskisson tentou aliviar a angústia provocada pelo alto preço do pão introduzindo uma escala móvel de impostos de acordo com o preço. Uma depressão econômica em 1839 e uma série de más colheitas criaram uma forte onde de protestos contra esse pacote de medidas.
Nas eleições gerais de 1841, o líder da Liga Anti-Leis dos Cereais, Richard Cobden, foi eleito membro do parlamento. Embora continuasse viajando pelo país discursando contra essas medidas, no parlamento assumiu posição mais moderada insistindo junto ao governo na premência dessa reforma.
A depressão econômica que ocorre entre 1840 e 1842 reforçou a influência da Liga. Em 1845, já era a mais poderosa e bem organizada agremiação política do Reino Unido.
O fracasso da safra da batata irlandesa naquele ano e a fome generalizada que se seguiu obrigou o primeiro ministro Robert Peel e seu governo conservador a reconsiderar a conveniência da lei.
Nacionalistas irlandeses como Daniel O’Connell envolveram-se na campanha. Peel foi sendo gradualmente convencido e, em maio de 1846, uma nova Lei dos Cereais foi aprovada, reduzindo o imposto sobre o trigo, a aveia e a cevada à insignificante taxa de um shilling por saca.
(*) A série Hoje na História foi concebida e escrita pelo advogado e jornalista Max Altman, falecido em 2016.