Em 16 de dezembro de 1990, o padre Jean-Bertrand Aristide, de 37 anos, é eleito presidente da República do Haiti após muitos anos de conflitos. A eleição deste militante dos direitos humanos é acolhida com entusiasmo pela opinião democrática mundial, mas ele logo é derrubado por um golpe militar sangrento no dia 29 de setembro de 1991.
Aristide voltou ao poder três anos depois dentro de furgão do exército norte-americano, sob a égide das Nações Unidas, e não conseguiu estabilizar a situação nacional com a saída dos capacetes azuis.
Casado com uma advogada da burguesia mulata, o “padre das favelas” é acusado de pilhar o tesouro enquanto o povo continuava dependendo da caridade internacional para sobreviver.
Aristide é derrubado do poder uma vez mais em 1º de março de 2004 enquanto os militares norte-americanos valem-se da situação para desembarcar em Port-au-Prince.
Uma história de infortúnios
Situada nas Antilhas, o atual Haiti é herdeiro da colônia francesa de Saint-Domingue e ocupa a parte ocidental da ilha Hispaniola, deformação do nome Isla Española que lhe havia sido dada por Cristóvão Colombo em 6 de dezembro de 1492.
A primeira implantação permanente em Hispaniola, batizada NuevaIsabela em homenagem à rainha Isabel de Castela foi destruída em 1502 por um ciclone e reconstruída com o nome de Santo Domingo de Guzman. Daí o nome de Saint-Domingue e da atual República Dominicana que divide a ilha com o Haiti.
O nome Haiti vem de Ayiti, ou Terra de Altas Montanhas, dado pelos pacíficos indígenas Tainos do grupo dos Arawaks. Todos desapareceram tragicamente vítimas da colonização europeia – trabalhos forçados, doenças, perseguições.
Os primeiros espanhóis, em busca de riquezas, recebem da coroa terras com o direito de nelas fazer trabalhar os indígenas que ali viviam. Era o princípio do ‘repartimiento’. Com o tempo, os nativos, refratários ao trabalho escravo, foram substituídos pelos escravizados africanos.
Indígenas e negros jamais deixaram de se revoltar. Um cacique Henri se refugia nas montanhas e mantém sua independência por 13 anos. É o começo da ‘marronnage’, nome dado às fugas de escravos para as florestas.
Em 1535, o governador Nicolas Ovando faz vir mudas de cana de açúcar das Ilhas Canárias para compensar o esgotamento das jazidas auríferas.
No século 17, bucaneiros e flibusteiros franceses – cerca de 3 mil – começam a se instalar na ilha da Tartaruga vizinha. Eles se denominam pomposamente de “Irmãos da Costa”. Atraem também os piratas e corsários que tomam os galeões espanhóis.
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Militante de direitos humanos foi derrubado por um golpe militar sangrento no dia 29 de setembro de 1991
Sob a autoridade francesa, as plantações de café, tabaco, cacau prosperam. Porém é a cana de açúcar, verdadeiro ouro branco do século 18, que se sobrepõe às demais culturas. O governador Bertrand d’Ogeron resolve então trazer os “engajados” europeus para trabalhar, remunerados, nas plantações ao lado dos escravos africanos.
Às vésperas da Revolução Francesa, Saint-Domingue garantia cerca de 75% do comércio mundial de açúcar, superior à produção dos Estados Unidos.
A colônia contava com cerca de 600 mil habitantes, dentre os quais 40 mil alforriados e 500 mil escravos negros. À época, a parte espanhola da ilha, Santo Domingo, contava com apenas algumas dezenas de milhares de habitantes.
A sorte da ilha é afetada pela Revolução Francesa. Em 15 de maio de 1791, a Assembleia Nacional concorda com reservas com o voto de certos negros livres. Esta meia-medida inquieta os colonos brancos que buscam então proclamar sua independência.
O líder negro Toussaint Louverture, com o grau de general combate os ingleses e os expulsa da ilha. Como novo chefe obriga seus irmãos de cor a trabalhar, agora como assalariados. Em 8 de julho de 1801, Louverture proclama a autonomia do país e se nomeia Governador Geral perpétuo da nova república. O Primeiro Cônsul, Napoleão, não gosta nem um pouco da iniciativa e organiza uma poderosa expedição para pôr fim à situação.
O fracasso da empreitada militar levaria à proclamação da independência do Haiti em 1º de janeiro de 1804.
Golpes de Estado
Os dois séculos que se seguiram foram uma sucesão de infortúnios : golpes de Estado, ditaduras sangrentas, conflitos entre trabalhadores negros e burgueses mulatos, intervenções estrangeiras.
As terras outrora férteis sofreram erosão pelo desflorestamento e esterilizadas por práticas agrícolas arcaicas – semeaduras após queimadas – , a ponto de a produção agrícola hoje em dia ser duas vezes menos vultosa que nos tempos da escravidão.
O Haiti sofreu acima de tudo da ausência de Estado e sua elite sempre ignorou o significado de ‘interesse nacional’ e ‘bem público’.
O dramático terremoto de janeiro de 2012 e a epidemia de cólera de 2011 tiveram suas consequências enfrentadas por países e organizações estrangeiras sem o que a situação seria muito mais catastrófica. A par disso, a presença de tropas sob a égide da ONU conseguem apenas amenizar os conflitos sociais, aliviando no curto prazo a miséria que se abate sobre grande parte do povo haitiano.
(*) A série Hoje na História foi concebida e escrita pelo advogado e jornalista Max Altman, falecido em 2016.