“As armas e os barões assinalados
Que, da ocidental praia lusitana,
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo reino, que tanto sublimaram.
…..
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte”.
(Canto I, primeiros versos de Os Lusíadas)
Em 1579 a peste assola Lisboa. Camões tem muita febre e já ninguém duvida que é mais uma vítima da doença. Dona Ana de Macedo segue todas as receitas contra a pestilência: sangria e até sumo de serpilho misturado com leite de mulher.
O autor d’Os Lusíadas insiste em escrever uma carta a D. Francisco de Almeida, alcaide de Lisboa, referindo-se ao desastre de Alcácer-Quibir, à ruína financeira da Coroa portuguesa, à independência nacional ameaçada. O poeta aos poucos desvanece.
Em 10 de junho de 1580 falece em Lisboa. Seu corpo é sepultado num canto qualquer do cemitério do Convento de Santana. E ainda assim graças à Companhia dos Cortesãos, que paga as despesas do funeral. Os últimos anos de Camões são vividos na mais absoluta miséria.
Quem foi Luís de Camões?
Nascido por volta de 1524 de família arruinada, Luís Vaz de Camões tem uma infância cheia de privações. É educado em Lisboa por dominicanos e jesuítas. Vive um período em Coimbra, onde faz o curso de Artes no Convento de Santa Cruz.
Camões frequenta os centros aristocráticos, onde tem acesso às obras de Petrarca, Ariosto, Tasso, Bernardim Ribeiro, entre outros. Domina a literatura Clássica da Grécia e Roma; lê latim, sabe italiano e escreve em castelhano.
É apontado como sujeito folgado e briguento. Ganha a alcunha de Trinca-Fortes. As suas desavenças dão origem ao desterro, em 1548.
Segue para o Ribatejo. Vive seis meses na província, de favores. Resolve alistar-se na milícia do Ultramar. Embarca para Ceuta no outono de 1549. Combate no Marrocos, onde perde o olho direito numa escaramuça contra os mouros. Em 1551, volta a Lisboa.
O poeta confessa aos amigos que sente despedaçados todos os valores em que acredita, aflito com as diferenças entre utopia e realidade. Tais injustiças passam a ser tema constante na sua lírica.
Em 1552, envolve-se numa briga em que feriu um funcionário do Paço. Passados alguns meses na prisão, recebe indulto. Embarca a seguir para a Índia. No Oriente, vive um período acidentado. Em fevereiro de 1554 participa de frota, sob comando de Fernando de Meneses, na perseguição a navios mouros que comercializavam entre a Índia e o Egito, prejudicando o monopólio mercantil dos portugueses.
WikiCommons
Retrato de Camões por Fernão Gomes, considerado o registro mais autêntico do poeta
Esteve em Goa, no Golfo Pérsico, em Ternate, e em Macau, onde exerceu o cargo de provedor de defuntos e ausentes. Lá passa horas a escrever “Os Lusíadas: a viagem épica de Vasco da Gama” e, no extremo sul da África, “O Gigante Adamastor” que tenta impedir o avanço dos nautas portugueses.
Heróis trágico-marítimos; deuses mitológicos, paixões, intrigas, batalhas, aventuras e cobiças. Histórias de um minúsculo Portugal em expansão, “mais do que prometia a força humana”.
Na viagem de volta, em novembro do mesmo ano, naufraga na costa da Conchinchina. Neste naufrágio perece sua companheira chinesa. Consta que Luís de Camões fugiu a nado, salvando os manuscritos de Os Lusíadas. Camões acorda na praia. Chora a perda da mulher amada, Dinamene. Luís Vaz levanta-se, desconsolado:
“Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.”
Em 1567, depois de anos no Oriente, Camões conhece Pero Barreto. Nomeado capitão para Moçambique, Barreto promete-lhe um emprego e adianta-lhe o pagamento da passagem. Premido por dificuldades financeiras, Camões aceita. Tempos mais tarde brigam. O Capitão manda prendê-lo. Os amigos mais uma vez o ajudam. Camões fecha-se na poesia. Retoca os seus Lusíadas. O poeta não larga da pena: compõe o “Parnaso Lusitano”, coletânea de poemas líricos.
Camões chega a Lisboa, em 1570, trazendo os manuscritos dos dez cantos d’Os Lusíadas. Vai viver com a mãe, na Mouraria. A penúria é grande. Apenas uma ambição: editar Os Lusíadas.
Em 1572 a obra foi editada. Após a publicação, D. Sebastião, o jovem monarca, concede ao poeta uma tença trienal de 15 mil réis, ou seja 40 réis por dia, “em respeito aos serviços prestados na Índia e pela suficiência que mostrou no livro sobre as coisas de tal lugar”. Vale lembrar que, nesta época, um carpinteiro ganhava 160 réis por dia. A pensão é renovada em 1575 e novamente em 1578.
Também nesta data:
1794 – Terror de Robespierre suspende direito à defesa na França
1836 – Morre o físico André-Marie Ampère
1924 – Milicianos fascistas sequestram Giacomo Matteotti
2004 – Morre Ray Charles, maior ícone do R&B