Marie-Antoine, ou “Antonin” Carême, o “Rei dos Cozinheiros, Cozinheiro dos Reis”, morre em Paris em 12 de janeiro de 1833. Participou da eclosão da alta gastronomia francesa quando a Revolução Francesa empurrara para o exílio aristocratas franceses, forçando seus cozinheiros a abrir restaurantes na cidade.
Seu “savoir-faire”, até então escondido nas mansões privadas da aristocracia, se difunde. Carême foi, de fato, o primeiro a elevar a arte culinária quase ao nível de uma ciência. O maestro inventa o “vol au vent”, diversos tipos de molhos, estabelece regras de cozinha com movimentos apropriados e tempo de cozimento ideal. Enfim, lança as bases da gastronomia moderna.
Antonin veio ao mundo em 8 de junho de 1784 num casebre da rua du Bac em Paris e cresce em meio aos barracos e escombros. Seu pai fazia bicos que mal davam para alimentar a numerosa prole de 14 filhos.
Abandonado pelo pai aos oito anos, Antonin se mostra esperto, curioso e trabalhador. Quando eclode a revolução, emprega-se num restaurante de pouca monta e rapidamente aprende os rudimentos do ofício.
Aos 13 anos a sorte lhe sorri. Entra como aprendiz no estabelecimento do confeiteiro Sylvain Bailly, uma das melhores casas da cidade. Era o período do Diretório e os ricos parisienses aspiravam desfrutar da vida após as agruras da Fase do Terror. Passa a modelar as tortas inspirando-se nas formas arquitetônicas.
Lança-se então naquilo que faria sua glória: confeitos em estilo barroco, esplêndidas e complicadas composições em pasta de amêndoa, nougat.
Pouco depois, passa a trabalhar na cozinha do Hôtel de Galliffet, no bairro de Saint-Germain, onde Charles-Maurice de Talleyrand tinha mesa cativa.
Carême logo assume a condição de “chef de cuisine”. Anota, vê e compreende tudo, se iniciando na arte do “serviço à francesa”, o tradicional bufê. Talleyrand, que apreciava as tradições do Antigo Regime, tinha como questão de honra resistir à concorrência do “serviço à russa”.
Entre o diplomata e o ambicioso cozinheiro se trava uma verdadeira cumplicidade. Talleyrand estimula Carême a desenvolver uma comida refinada à base de legumes e de produtos de estação.
Carême passa a ser um verdadeiro astro dos fornos. Abre sua confeitaria na rua de la Paix, acompanha Talleyrand em seu castelo de Valençay, onde dirige as cozinhas – é o primeiro a se fazer chamar de ‘‘Chef’’ e publica numerosos livros – “Le pâtissier pittoresque” (O Confeiteiro Pitoresco), “Le Maître d'hôtel français” ( O Maitre Francês), escritos a partir de incontáveis anotações pessoais, obras que rapidamente se tornaram “best-sellers”.
Quando o Império desmorona, prossegue com mais força ainda e obsequia os poderosos com deliciosos pratos na mesa do príncipe de Benevent, no Congresso de Viena.
São os mesmos que o chamam, alguns meses mais tarde, para excitar as papilas reais. Carême é solicitado em todos os lados, tornando-se um verdadeiro cozinheiro nômade: na corte do czar Alexandre II; com o príncipe regente inglês, o futuro George IV; depois, em Viena, para o imperador da Áustria, Francisco I; por fim, comanda durante certo tempo as cozinhas do banqueiro Rothschild, no castelo de Ferrières. Na residência do Lord Steward, na Áustria, inventa o ‘‘toque blanche’’ (touca branca), o chapéu branco, alto, que passa a integrar a indumentária de um ‘‘chef de cuisine’’, mais decente que o boné de algodão que antes se usava.
Resumiu sua arte numa notável enciclopédia em cinco volumes, ‘‘A Arte da Cozinha Francesa’’, derradeiro sonho realizado pouco antes de morrer em 1833, envenenado aos 48 anos pela fumaça tóxica do carvão de lenha que inalou pela vida afora. Com uma posteridade duradoura, pois muito tempo após sua morte as grandes casas burguesas disputavam seus continuadores.
Sob o Antigo Regime era praticado nas casas da aristocracia europeia o ‘‘serviço à francesa’’. Cada refeição contava até com cinco serviços, das sopas às sobremesas. E para cada serviço, levava-se todos os pratos à mesa, encarregando-se o mâitre de cortar as carnes. Os convivas picavam nos pratos dispostos diante deles, pior para aqueles que estavam fora de alcance. Os empregados domésticos, atrás deles, serviam o vinho a pedido.
O serviço à russa
Em 1810, o embaixador da Rússia em Paris, irritado com o baile dramático que encerrou a cerimônia do casamento de Napoleão e Maria Luisa, retira-se para seu castelo de Clichy. Impossibilitado de cortar as carnes, pede aos cozinheiros que preparem os pratos e os talheres na cozinha. Nasce desse modo o ‘‘serviço à russa’’. Os convivas veem os pratos se suceder segundo a ordem do cardápio tradicional: entrada, peixe ou carne, legumes, sobremesa. Com o serviço sendo rápido, o cliente desfrutava da possibilidade de consumir a comida quente e não mais fria.
Este serviço, mais simples, iria conquistar pouco a pouco todas as mesas. Porém, o “serviço à francesa” oporia resistência ao longo de todo o século XIX, graças a Carême e seus discípulos. Deste serviço, subsiste a tradição de confiar ao mâitre da casa a destrinça das aves em geral.