No dia 27 de fevereiro de 1943, os nazistas sequestram em Berlim os últimos judeus da cidade. Eram, em sua grande maioria, homens casados com mulheres de “estirpe ariana”, isto é, “de boa raça alemã”. Várias centenas deles esperavam num prédio da Rosenstrasse (Rua das Rosas) para serem deportados para algum campo de extermínio. Suas esposas obrigariam o governo a reverter a decisão.
Às vésperas desse drama, a grande maioria dos judeus que morava na Alemanha do início da Segunda Guerra Mundial já tinha sido deportada para os campos de extermínio, fazendo juz à “Solução Final” engendrada por Hitler e seus oficiais.
Somente aqueles casados com não-judeus – em alemão, os “mischehen” – foram provisoriamente poupados, assim como seus filhos – os “mischlinge”. O grupo era composto por cerca de vinte mil indivíduos, dos quais metade vivia em Berlim.
FORTALEÇA O JORNALISMO INDEPENDENTE: ASSINE OPERA MUNDI
Despojados do essencial de seus bens e proibidos de exercerem suas profissões, esses judeus foram obrigados a cumprir trabalhos forçados nas fábricas de munição. O regime nazista tinha uma política ambígua em relação a esse grupo, devido às ligações afetivas estabelecidas entre esses judeus e outros alemães.
Os nazistas pressionavam os cônjuges não-judeus a pedirem divórcio. Nesse caso, o judeu abandonado poderia ser preso e deportado. Mas foram raros os casais que se separaram.
Enquanto isso, na frente de batalha, em 31 de janeiro de 1943, os alemães foram derrotados em Stalingrado. No dia 13 de fevereiro, em Berlim, diante de uma multidão histérica, o ministro da propaganda, Joseph Goebbels, proclamou a guerra total.
Para Hitler, não havia mais razão para poupar os judeus alemães restantes. No dia 27 de fevereiro de 1943, a guarda pessoal do Führer prendeu centenas de judeus em seus locais de trabalho enquanto os homens da Gestapo, a polícia política, sequestravam os filhos deles em suas residências.
Foram então conduzidos para cinco centros de detenção no coração de Berlim. Um deles estava situado na Rosenstrasse 2-4. O edifício encontrava-se a dois passos da Burgstrasse, uma rua que abrigava o quartel-general da Gestapo para questões judaicas.
Pela noite, as esposas, constatando a ausência de seus maridos, decidiram se reunir diante do centro de detenção. No dia seguinte, um domingo, várias centenas delas gritavam em frente ao prédio: “Devolvam-nos nossos maridos!”. Os maridos, através dos muros, responderam a elas da maneira possível. A manifestação se estendeu pelos dias seguintes, mesmo com a chegada da noite e de um frio glacial.
A Gestapo acionou então a polícia. Entretanto, tão logo os oficiais dispersaram (com certo grau de violência) as mulheres, elas rapidamente se reagruparam. Uma brigada da temida SS (Tropa de Proteção, na sigla em alemão) foi chamada para auxiliar. Os guardas simplesmente ameaçam metralhar as manifestantes. Ainda assim, a determinação não esmoreceu.
Por fim, ao cabo de uma semana, Goebbels, cansado de tentar resolver o problema, suspendeu o sequestro desses judeus. Os detidos da Rosenstrasse 2-4 ficariam, a partir do dia 6 de março, autorizados a juntar-se às suas famílias.
Este episódio pouco conhecido das perseguições antissemitas demonstra que os cidadãos alemães poderiam fazer os nazistas dobrarem os joelhos e frear o genocídio judeu desde que assim o desejassem.
O fato foi tema de um marcante filme alemão, As Mulheres de Rosenstrasse (2003), que teve direção de Margarethe von Trotta.
Reprodução
Cena do filme As Mulheres de Rosenstrasse