Em um ano marcado por uma grande agitação político-social e também cultural como 1968, era compreensível que a crítica do jornal norte-americano The New York Times de um musical polêmico que acabara de estrear em 29 de abril na Broadway fosse descrito em termos políticos.
“Você provavelmente não precisa ser um defensor de Eugene McCarthy – candidato democrata às eleições presidenciais daquele ano e um político bastante liberal – para gostar da peça,” escreveu o crítico Clive Barnes. “Mas ela não terá muitas chances entre os adeptos da candidatura de Ronald Reagan.”
O musical em questão era Hair, celebrado como o “musical das tribos dos amantes do rock”, que apresentou Aquarius, uma canção definidora de uma época, e que deu aos frequentadores de teatro de Nova York e, pouco depois, das principais capitais do planeta, um vislumbre direto e amplo da florescente estética da contra-cultura dos anos 1960.
Hair não era um show completamente novo quando abriu suas cortinas na noite de 29 de abril de 1968. Anteriormente a peça foi apresentada a quarenta quarteirões ao sul no East Village, como a produção inaugural do Teatro Público Joseph Papp.
A despeito das críticas pouco favoráveis, o musical Hair conseguiu manter-se e crescer com salas cheias e grande sucesso durante uma carreira de seis semanas no teatro Público e reunir verba suficiente a fim de se mudar para a Broadway. Embora este tipo de mudança viesse a se tornar mais comum, era extraordinariamente raro para um musical à época. E foi uma mudança particularmente audaz para um musical com uma partitura não tradicional. Além do mais, Hair foi a primeira produção musical de rock a fazer um enorme sucesso no Great White Way – nome de fantasia de uma parte da Broadway na zona central da cidade de Nova York, especificamente uma área que engloba o Distrito dos Teatros entre as ruas 42 e 53.
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Com cenas de sexo e nudez, Hair estreou na Broadway e se tornou um sucesso de bilheteria
A manchete “Encontro no Great White Way” apareceu na edição de 3 de fevereiro de 1902 do The New York Evening Telegram. O apelido jornalístico foi inspirado pelos milhões de lâmpadas nas marquises dos teatros e nos cartazes de anúncio que iluminavam a área, especialmente em torno do Times Square, que mais tarde tornou-se o coração da indústria teatral.
Entretanto, a novidade do musical não se circunscrevia apenas a sua música ou referência a sexo e drogas. Hair exibiu pela primeira vez uma cena muito comentada, no final do primeiro ato, em que o elenco aparece completamente nu no palco defronte às luzes da ribalta. Pela primeira vez também a menção à Guerra do Vietnã é incluída no roteiro.
Mesmo assim, a ruptura, potencialmente chocante com a tradição da Broadway, não provocou qualquer repulsa dos frequentadores de teatro. Hair rapidamente tornou-se não apenas um espantoso êxito de bilheteria como um genuíno fenômeno cultural que permitiu, por exemplo, à banda Fifth Dimension vender milhões de discos com a trilha sonora do espetáculo. Hair foi adaptado e produzido em palcos das principais cidades do mundo com sucesso generalizado. Levado à tela dos cinemas igualmente estabeleceu recordes de venda de ingressos.
Quarenta anos depois da estreia, o crítico Charles Isherwood, escrevendo para o The New York Times, colocou Hair em seu exato contexto histórico.
“Para experiências sonoras mais simples, mais cheia de modulações ou melhor trabalhadas harmonicamente desses últimos tempos, pode-se apelar para The Doors ou Bob Dylan ou Joni Mitchell ou Jimi Hendrix ou Janis Joplin. Ou todos eles. Se desejar uma dose de distração mental e devaneios ao doce som da juventude, transbordante na esperança de que o mundo irá mudar amanhã, ouça o Hair e deixa a luz do sol entrar (na letra original de uma das canções: let the sunshine in)”, disse a crítica.
Também nesta data:
1429 – Joana d'Arc liberta a cidade de Orleãs
1848 – Rei Luis XIII se alia ao duque de Richelieu e transforma a França
1864 – É aberto o primeiro colégio afro-americano dos EUA, na Pensilvânia
1985 – Torcedores do Liverpool são condenados por Tragédia de Haysel
(*) A série Hoje na História foi concebida e escrita pelo advogado e jornalista Max Altman, falecido em 2016.