Lívia Cotrim era cientista social formada pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, mestre em ciência política Universidade Estadual de Campinas e doutora em ciências sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Foi professora Centro Universitário Fundação Santo André (FSA) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Fui seu aluno. Um péssimo aluno. Faltei em muitas de suas aulas. Trabalhava, chegava atrasado sempre. E fazia movimento estudantil, sendo diretor do Centro Acadêmico 18 de Março do curso de ciência sociais.
Suas aulas eram de uma erudição ímpar. Não havia moleza. Tinha de ler. Ler os textos fundamentais. Antes de ler Engels, tínhamos de encarar Morgan. Nada de superficialidade e conhecimento youtuberizado, vulgarizado e rebaixado. Nada disso. Ali era o estilo clássico: ler, ouvir, pensar e debater. E nas provas? Escrever, escrever e escrever. Provar que havia assimilado e dominado as categorias estudadas.
Ela esteve junto de vários projetos editoriais entre eles a famosa “Ensaio” e “Ensaio/Ad hominem”. Em grande medida, junto com seu companheiro de décadas e também professor Ivan Cotrim e seu amigo (e meu mestre intelectual) Antônio Rago Filho formavam na Fundação Santo André os continuadores do esforço e combate intelectual e teórico do filósofo e professor José Chasin. Em depoimentos, artigos e entrevistas, Lívia mostrava e a importância deste pensador para sua formação e produção intelectual.
Lívia, como lembrou professor Lincoln Secco (FFLCH/USP) “ela apresentou Marx para diversas gerações” de estudantes do ABC paulista.
Sua tradução, organização e comentários na edição brasileira de “A Nova Gazeta Renana” de Karl Marx” é um livro fundamental publicado pela EDUC, editora da PUC-SP.
Como dirigente do Sindicato dos Professores do ABC estive com ela em diversas assembleias e manifestações em defesa da FSA. Ela já se tratando da doença que a vitimou, teve de enfrentar os desmandos da reitoria da Fundação Santo André. Tentaram rebaixar seu plano de saúde durante seu árduo tratamento.
A Fundação Santo André, com a administração dos “cabeças de planilha” colocava ela e seu companheiro Ivan na linha de frente da lista para serem demitidos. Um crime desumano da reitoria da instituição na qual dedicou mais de 20 anos de sua vida ensinou e formou milhares de alunos.
Reprodução/Apropuc
Hoje, 14 de agosto de 2019 o Brasil perde uma das mais rigorosas estudiosas das obra de Karl Marx
Meu amigo dirigente sindical e ativista do MST Marcelo Buzetto e colega de docência na Fundação Santo André (FSA) lembrou que ela e Ivan “trabalharam por mais de 20 anos na FSA. A reitoria anulou os contratos de trabalho de ambos injustamente, tudo isso para não pagar os direitos trabalhistas e as verbas indenizatórias”. A reitoria sabia de seu tratamento e luta contra o câncer. A única ética sob Capital é o lucro.
Desde o processo de luta contra o golpe, depois do golpe e em vários outros momentos de luta da classe trabalhadora, encontrei ela e Ivan, sempre juntos, nas manifestações da Av. Paulista.
Conheci suas filhas Vera e Ana em eventos do Grupo de Estudos Marx – GMARX, coletivo de pesquisadores que se dedicam a investigação da obra de Marx.
Deixo meu abraço fraterno e me junto ao luto do professor Ivan Cotrim, de suas filhas Vera e Ana e de todos os amigos/as.
Professora Lívia Cotrim: PRESENTE!
Algumas referências para conhecer o trabalho de Lívia Cotrim:
Livro: A Nova Gazeta Renana – Karl Marx (Tradução e apresentação: Lívia Cotrim)
Palestra Marx e a Comuna de Paris – Lívia Cotrim
Aula: Arte realista: Balzac e Goethe | Curso Livre Lukács – Livia Cotrim e Carlos Berriel
Artigo: Politicidade e alienação em Marx – Lívia Cotrim
Artigo: A Revolução Russa e o pós-capitalismo – Lívia Cotrim
Entrevista de Lívia Cotrim ao Desobediência Sonora (começa em 13:55)
Alexandre Linares é cientista social, professor e editor. Foi dirigente do Sinpro-ABC (2015-2019) e atualmente leciona sociologia na rede pública estadual. É militante do Partido dos Trabalhadores e colaborador do jornal O Trabalho.