O Carnaval de 2002 estava chegando quando eu publiquei a notícia abaixo no Estadão. Ziraldo, decano do jornal Pasquim e um dos nomes mais importantes da imprensa independente brasileira desde os anos 1970, morto neste sábado (06/04), tentava relançar o jornal crítico de maior sucesso durante a ditadura militar com um novo nome e tentando se livrar os problemas que a revista Bundas, que fez algum furor nos anos 1990, tinha. Ou que Ziraldo imaginava que tivesse.
Para Ziraldo, o nome Bundas atrapalhava a busca de anunciantes privados. Eles resistiriam a colocar suas marcas na revista por temerem uma associação negativa. O Pasquim21, por outro lado, não sofreria desse mal – pelo contrário, ao recuperar uma marca de prestígio, talvez fosse vista com bons olhos pelo mercado publicitário.
Ziraldo estava errado. O problema de Bundas não era o nome, nem tampouco a pegada política. Talvez a linguagem e as piadas estivessem um tanto ultrapassadas, mas foi o viés crítico da publicação e a própria estrutura organizacional das agências que barrou qualquer chance de sucesso dessas empreitadas.
As agências de publicidade não gostam de anunciar em veículos independentes, por maior que seja seu sucesso, por dois motivos: 1) quanto maior a pulverização dos anúncios, maior o custo do trabalho na agência: essa é a razão estrutural; 2) os publicitários e os dirigentes das empresas são, em geral, conservadores, e fazem um recorte político do dinheiro que gerenciam: essa é a razão ideológica.
O fracasso do Pasquim21 e de Bundas mostra que os modelos de financiamento da imprensa independente não podem ser exclusivamente os mesmos dos da imprensa tradicional. Nada demais os veículos independentes recorrerem a publicidade tradicional ou direcionada por mecanismos de busca, mas ela nunca será suficiente. Crowdfundings, assinaturas solidárias, editais – todos os meios alternativos devem ser buscados.
As mudanças tecnológicas e o ambiente político favoreceram um crescimento significativo da mídia alternativa nos últimos anos. Mas ela não é suficiente para se contrapor à mídia tradicional, embora já consiga furar muitos bloqueios e impor muitas pautas. Isso também aconteceu nos anos 1970, com o Pasquim, e com um alcance muito menor nos anos 1990, com veículos como Bundas, Atenção! e Caros Amigos, esta última uma das raras publicações que atravessaram os piores anos de FHC e continuam na luta.
Mas vamos à notícia de 2 de fevereiro 2002:
‘Pasquim’ volta depois do carnaval
Ziraldo diz que jornal vai mostrar uma ‘visão diferente’ do Brasil
Por Haroldo Ceravolo Sereza
No próximo dia 19, volta a circular o Pasquim, o mais conhecido jornal da imprensa alternativa dos anos 70 e 80, com o nome de Pasquim21, em alusão óbvia ao novo século. O responsável pelo retorno do periódico é Ziraldo, o criador do Menino Maluquinho e integrante do grupo que criou o periódico. “Nós vamos voltar na primeira segunda-feira depois do carnaval; por enquanto, estamos em Porto Alegre, cobrindo o Fórum Social Mundial, mas cobrindo à maneira do Pasquim”, disse ele. O jornal já teve um número 0 e terá edição semanal – “Não existe humor quinzenal ou mensal”, justifica o diretor de redação.
Integram ainda o time de editores Zélio Alves Pinto, irmão de Ziraldo, e Luís Pimentel, ex-editor da revista Bundas. Ziraldo afirma que o Pasquim21 será mais uma continuação da revista, que circulou em 1999 e 2000, do que de O Pasquim original. Ele tenta, assim, superar dois problemas da revista, que chegou a ter tiragem de 180 mil exemplares, mas que viu sua circulação cair progressivamente até os 24 mil na edição de despedida.
O primeiro problema, segundo Ziraldo, é que o título não acompanhava o conteúdo: pelo nome, esperava-se uma crítica de costumes, mas a publicação tendeu progressivamente a fazer crítica política em vez de crítica de costumes. O segundo, é que o nome afastava anunciantes, preocupados com possíveis associações entre seus produtos e o nome da publicação.
“Acho que vou ter muito anunciante; nem todo mundo quer anunciar para o público do Big Brother”, argumenta.
A pretensão do novo Pasquim é, por meio de um jornal de humor, “apresentar uma visão de Brasil diferente da do pensamento único”. “Hoje, pasquim é sinônimo de jornal de resistência; quando o Jaguar teve a idéia de assumir o nome nos anos 70, significava jornal vagabundo, malfeito.”
Ainda segundo Ziraldo, a publicação deve abrir espaço para uma nova geração. “Quando o velho O Pasquim surgiu, ninguém conhecia Ivan Lessa, Sérgio Augusto; quero abrir espaço para gente nova e boa”, afirma ele, citando como exemplo os cartunistas Rossi, Dálcio e Jean.