Há 104 anos, em 22 de julho de 1920, nascia o sociólogo, ensaísta e deputado constituinte Florestan Fernandes. Considerado o fundador da sociologia crítica no Brasil, Florestan buscou conciliar a dialética marxista com os métodos funcionalista e weberiano, construindo uma obra que expressa uma interpretação original da sociedade brasileira, enfocando as relações étnico-raciais e os processos de exclusão social.
Nascido em São Paulo, Florestan era filho único da imigrante portuguesa Maria Fernandes. Não possuía registro paterno. Precisou trabalhar desde a infância para auxiliar a mãe, com quem vivia em um cortiço na periferia paulistana. Aos 7 anos, tornou-se ajudante de barbeiro e engraxate. Posteriormente, trabalhou em padaria, restaurante, bar e como vendedor de artigos dentários. O trabalho atrasou seus estudos e Florestan somente pôde concluir o ensino básico aos 20 anos de idade.
Em 1941, ingressou no curso de ciências sociais da USP. Após a graduação, cursou o mestrado em antropologia pela Escola Livre de Sociologia e Política e deu início aos seus estudos sobre os tupinambás.
Em 1945, passou a lecionar sociologia na USP, ocupando o cargo de professor assistente de seu orientador, Fernando Azevedo. Também começou a colaborar com jornais paulistanos, escrevendo para “O Estado de S. Paulo” e a “Folha da Manhã”. Nesse mesmo período, fez amizade com Hermínio Sacchetta, líder de um movimento trotskista ligado à 4ª Internacional, e se filiou ao extinto Partido Socialista Revolucionário (PSR).
Doutorou-se pela USP em 1951, defendendo a tese “A função social da guerra na sociedade tupinambá”, obra que se consagraria como referência basilar da etnologia brasileira. Em 1953, tornou-se professor titular interino da USP, ocupando a cadeira que pertencera ao sociólogo francês Roger Bastide. Em 1964, obteve o título de livre docência na mesma instituição, com a tese “A inserção do negro na sociedade de classes”.
Na USP, Florestan se aprofundou nos estudos étnico-raciais, tendo sido um dos pioneiros das análises sobre a marginalização da população negra após a abolição da escravidão. Ocupou-se igualmente de temas como o desenvolvimento da ciência nacional e a modernização do país. Também atuou em prol da educação básica, participando da Campanha de Defesa da Escola Pública, advogando em favor do ensino público, laico e gratuito como direito fundamental dos cidadãos. Nos anos 70, foi um dos fundadores da União Cultural Brasil-União Soviética, posteriormente rebatizada como União Cultural pela Amizade dos Povos (UCPADP).
Opositor do golpe que depôs João Goulart e instaurou a ditadura militar brasileira, Florestan foi preso em 1964. Nos anos seguintes, realizou diversas palestras denunciando os abusos do regime e exortando a sociedade à defesa da democratização. Mostrou-se cético, entretanto, sobre a possibilidade de vitória pela luta armada, considerando que “não existiam condições que pudessem propiciar uma ruptura no plano político suficientemente profunda, capaz de permitir à guerrilha funcionar como detonador de uma rebelião das classes trabalhadoras e das massas populares”.
Em 1969, após a promulgação do AI-5, Florestan foi novamente preso, teve seus direitos políticos cassados, foi compulsoriamente aposentado e forçado ao exílio.
Passou os anos seguintes no Canadá e nos Estados Unidos, lecionando nas universidades de Toronto, Yale e Columbia. Em 1973, publicou “Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina”, obra em que desenvolveu o argumento de que a construção do capitalismo no Brasil ocorreu sem a constituição de uma ordem social competitiva em função da permanência de características étnico-raciais do seu passado escravocrata.
Dois anos depois, Florestan aprofundou essa análise na obra “A revolução burguesa no Brasil”, contrariando a tese tradicional de que as revoluções burguesas estariam restritas aos países que dominam as relações coloniais e imperialistas. Na obra, Florestan argumentou que o Brasil é gerido por uma “burguesia sem utopias, incapaz de edificar a nação”. A origem dessa especificidade estaria na adaptação do liberalismo à dominação estamental-patrimonial e à perenização das características pré-capitalistas, que evoluíram para um capitalismo dependente e periférico, gerido por uma burguesia autocrata.
Florestan retornou ao Brasil em 1977, assumindo o cargo de professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Dois anos depois, retornou à USP, lecionando um curso de férias sobre a experiência socialista em Cuba.
Participou do processo de redemocratização do Brasil e filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT), compondo a ala dos intelectuais do partido, ao lado de nomes como Paulo Freire e Antonio Candido. Em 1986, foi eleito deputado federal e integrou a bancada petista da Assembleia Nacional Constituinte que redigiu a Constituição de 1988. Atuou sobretudo nas discussões sobre o modelo de ensino a ser referendado na Carta Magna. Reeleito para a Câmara dos Deputados em 1990, Florestan ajudou a formular a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira e colaborou com Darcy Ribeiro na elaboração de projetos de valorização da educação básica.
Florestan Fernandes faleceu em São Paulo em 10 de agosto de 1995, aos 75 anos, vitimado por um erro médico. O sociólogo havia se submetido a um transplante de fígado, mas uma falha no procedimento causaria uma embolia pulmonar. Silvano Raia, o médico responsável por chefiar a equipe que realizou o transplante, recebeu uma advertência do Conselho Regional de Medicina em função do ocorrido.