Os novos deputados escolhidos nas eleições de 6 de dezembro assumem seus assentos na Assembleia Nacional da Venezuela na próxima terça-feira (05/01). Além de marcar um novo período legislativo no país, que durará até 2025, o novo Parlamento coloca fim ao mandato do deputado que se autoproclamou presidente da Venezuela, Juan Guaidó, retirando seu único resquício de institucionalidade.
A partir de janeiro, Guaidó passará a ser apenas um político venezuelano da oposição e, apesar de se autoproclamar presidente interino da Venezuela e chefe de um Parlamento paralelo, encontrará um caminho cada vez mais difícil para suas peripécias pois, somado ao fim de seu mandato, o governo de Donald Trump, seu principal aliado internacional, também acaba em janeiro.
Opera Mundi separou as principais polêmicas e acusações que envolveram Guaidó nesses quase dois anos de autoproclamação.
Autoproclamação e primeira tentativa de golpe (23/01/2019)
O dia 23 de janeiro é um dia festivo na Venezuela, destinado às comemorações da queda da ditadura de Pérez Jiménez em 1958. Pelo simbolismo que poderia trazer – e por também ser um feriado, sabendo que poderia contar com mais apoio nas ruas – Guaidó, que havia sido eleito recentemente à presidência do Parlamento, convoca um ato no bairro de Chacao, tradicionalmente habitado pela elite de Caracas, e cercado de deputados opositores declara que estava assumindo as funções de presidente interino da Venezuela baseado no artigo 350 da Constituição, que prevê o desconhecimento de “qualquer regime […] que contrarie os valores, princípios e garantias democráticas”. Minutos depois da autoproclamação, o governo norte-americano reconheceu Guaidó como “presidente legítimo da Venezuela”, o que levou o governo de Maduro a romper relações com Washington. Apesar da iminência de ações concretas que poderiam ter sido tomadas por esse setor da oposição, a tentativa de golpe ficou no discurso e apenas um mês mais tarde a nova liderança opositora tentaria um atentado contra o governo venezuelano.
‘Ajuda humanitária’ como tentativa de invasão (23/02/2019)
Com apoio logístico do governo colombiano e político do governo chileno e da OEA, Guaidó decidiu comemorar o aniversário de um mês de sua autoproclamação na fronteira da Colômbia com a Venezuela. Esse setor da oposição, com o pretexto de levar “ajuda humanitária” aos venezuelanos, tentou invadir o país em diversos pontos fronteiriços, mas foram barrados em grande parte pela própria população que entendeu a ação como uma ameaça real de invasão. Guaidó esteve o tempo todo em território colombiano, discursando num palco montado em Las Tienditas, ao lado do presidente da Colômbia, Iván Duque, e do secretário-geral da OEA, Luis Almagro. Apresentações musicais também foram contratadas pela oposição e aconteceram dois dias antes, na sexta-feira, em evento chamado “Venezuela Live Aid”. Caminhões levando “comida e remédios”, segundo os partidários de Guaidó, também entrariam pelo Brasil, na fronteira da cidade de Pacaraima. A insistência de Guaidó em invadir a Venezuela com os carregamentos gerou confrontos que deixaram mais de 40 feridos. A oposição e o governo norte-americano chegaram a acusar Caracas de ter incendiado cargas que ficaram retidas na fronteira, informação desmentida inclusive pelo jornal New York Times. Após o envolvimento do governo colombiano na ação, a Venezuela rompeu relações diplomáticas com o vizinho.
Primeiro encontro com Bolsonaro (28/02/2019)
Apenas alguns dias depois de protagonizar uma tentativa de invasão contra seu próprio país, Guaidó se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro. O brasileiro recebeu o deputado venezuelano como chefe de Estado e prometeu que não pouparia esforços para “restabelecer a democracia na Venezuela”. Esse encontro não seria tão importante se não fosse o fato do governo venezuelano ter descoberto que não havia registros oficiais da saída de Guaidó da Venezuela desde quando o opositor apareceu do lado colombiano da fronteira no dia 23 de fevereiro. Mais tarde, seria revelado que o autoproclamado presidente viajou à Colômbia por rotas ilegais com auxílio de grupos narcotraficantes. Falaremos sobre isso em um único ponto mais adiante.
Armas e dólares na casa do ‘braço direito’ (21/03/2019)
Guaidó levou a autoproclamação a sério, chegando a nomear “ministros” e “embaixadores”. O advogado Roberto Marrero foi apontado como “chefe de Gabinete” e aparecia constantemente ao lado de Guaidó. Em março, numa operação coordenada entre a polícia e o serviço de inteligência venezuelanos, foram encontrados fuzis, granadas e moedas estrangeiras na residência de Marrero. Segundo Caracas, o aliado de Guaidó estaria envolvido em um plano que tinha como objetivo a “violação da ordem constitucional e a promoção do terrorismo, incluindo o intento” de assassinar Maduro. O “chefe de Gabinete” de Guaidó acabou sendo preso junto com seu guarda costas, Luis Alberto Páez Salazar. A oposição acusou o governo de “plantar” as armas e chamou a detenção de Marrero de “sequestro”.
Segunda tentativa de golpe e fuga de Leopoldo López (30/04/2019)
Se até então Guaidó e seus aliados vinham incitando a insurreição em discursos e contando com auxílio externo para desestabilizar o governo, no dia 30 de abril de 2019, esse setor da oposição partiu para ações concretas e realizou uma tentativa de golpe de Estado. Nas primeiras horas do dia, uma mensagem publicada em redes sociais mostrava Guaidó chamando a população e as Forças Armadas ao golpe. O plano era tomar a base aérea militar de La Cartola, localizada em Altamira, uma região de classe média de Caracas e, de lá, comandar os operativos para tomar o governo ao lado de militares desertores. Guaidó e apoiadores utilizaram as redes sociais para espalhar desinformação, afirmando que haviam tomado a base, informação desmentida pela rede teleSur que tinha uma repórter dentro do posto militar.
Em meio a confrontos entre tropas golpistas e legalistas nas ruas de Caracas, o ex-deputado e ex-candidato à presidência Leopoldo López, considerado um dos líderes desse setor da direita venezuelana, aparece caminhando livremente ao lado de Guaidó e militares. López estava em prisão domiciliar e foi “solto” por tropas desertoras a mando de Guaidó. Algumas horas depois da convocatória e de alguns confrontos militares, as forças golpistas, derrotadas, abandonam as ruas. López pede asilo na embaixada do Chile e, dias depois, se muda para a sede diplomática da Espanha quando, finalmente, consegue fugir do país para a Europa. Militares e agentes desertores foram presos. Especula-se que o Serviço de Inteligência do governo venezuelano já tinha conhecimento dos planos golpistas e, em uma ação de contra-inteligência, fez a direita acreditar que possuía muito mais apoio militar do que realmente teve no dia do golpe.
Fez a Polícia de Washington invadir a embaixada da Venezuela nos EUA (16/05/2019)
A embaixada venezuelana nos EUA estava desocupada desde janeiro, quando Caracas rompeu relações com o governo norte-americano. Guaidó, se aproveitando do fato de os EUA o reconhecerem como presidente, pede que seu “embaixador” passe a despachar da sede diplomática. Para defender a legitimidade do governo de Nicolás Maduro e da representação diplomática do país, ativistas ocuparam o prédio. Após três semanas de disputa, com ativistas pró-Guaidó hostilizando os manifestantes que estavam na embaixada, a polícia de Washington invadiu a sede diplomática e prendeu quatro pessoas. O governo da Venezuela condenou o ato dizendo que os EUA descumpriram “suas obrigações da Convenção de Viena e violaram os direitos humanos dos ativistas que têm protegido nossa embaixada com nossa autorização”.
Investigado por desviar recursos da “ajuda humanitária” (17/06/2019)
Não demorou para que Guaidó e seus apoiadores fossem acusados por administração ilícita dos fundos ditos “humanitários” que eram – e ainda são – destinados a esse setor da oposição por ONGs e fundações internacionais. Em junho de 2019, a Justiça venezuelana iniciou uma investigação contra dois aliados do deputado. De acordo com o Ministério Público da Venezuela, Rossana Barrera e Kevin Rojas, ambos membros do partido Vontade Popular e nomeados por Guaidó como “representantes” de seu “governo” na Colômbia, eram responsáveis por desviar verbas destinadas a auxiliar militares venezuelanos desertores que ingressaram no território colombiano. Além disso, o governo venezuelano apresentou evidências que indicavam o papel de Roberto Marrero – que foi preso em março de 2019 – em negociar pagamentos por uma quebra de contrato com mercenários para uma eventual invasão à Venezuela. Em mensagens trocadas entre Marrero e Guaidó, que foram divulgadas por Caracas, o advogado aparece pedindo ao deputado que fizesse um apelo ao presidente da Colômbia, Iván Duque, para que o próprio mandatário indicasse alguma ONG que lhes permitisse “manejar” esses pagamentos.
Seguranças de Guaidó são presos tentando vender armas roubadas do Exército (12/07/2019)
Erick Sánchez e Jason Parisi Castrillo trabalhavam como guarda-costas de Guaidó desde que o deputado foi eleito presidente da Assembleia Nacional. Em julho de 2019, os dois foram presos em flagrante enquanto negociavam a venda de cinco fuzis AK-103 que haviam sido roubados das Forças Armadas venezuelanas e utilizados por militares desertores na tentativa frustrada de golpe de Estado do dia 30 de abril. Segundo Caracas, os armamentos eram avaliados no valor de 35 mil dólares.
Aliados negociaram entrega de território em disputa ao Reino Unido em troca de apoio (09/09/2019)
Os amigos do presidente autoproclamado continuaram a manchar seu mandato. Dessa vez, Manuel Avendaño, coordenador de Relações Exteriores do partido Voluntad Popular, e Vanessa Neumann, “embaixadora” de Guaidó no Reino Unido, foram acusados de negociarem a entrega do território de Esequibo, que historicamente está em disputa entre a Venezuela e a Guiana, em troca de apoio político e econômico em um futuro “governo de transição” liderado pela oposição. Com 159 mil quilômetros quadrados de extensão e cerca de 120 mil habitantes que têm direito às duas nacionalidades, Esequibo é controlado pelos dois países vizinhos desde 1966, quando o chamado Acordo de Genebra definiu a atual situação do território. O plano dos partidários de Guaidó era, segundo conversas telefônicas divulgadas pelo governo venezuelano, abrir mão de parte do controle sobre Esequibo em troca de apoio do Foreign and Commonwealth Office, um órgão do governo britânico que promove interesses estrangeiros do país europeu. Apesar de ter conquistado sua independência formal da Coroa britânica em 1966, até hoje a Guiana é uma zona de influência política e econômica dos britânicos, o que explica os objetivos dos aliados de Guaidó junto ao Reino Unido.
Usou um tratado da época da Guerra Fria para justificar uma intervenção militar na Venezuela (11/09/2019)
Elaborado em 1947, o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar) é um tratado de defesa mútua firmado entre países dos continentes americanos que prevê a “doutrina da segurança hemisférica” e garante que uma agressão contra algum de seus signatários represente um ataque contra todos, justificando uma ação conjunta contra o agressor. Na prática, levando em conta o contexto da Guerra Fria da época em que foi elaborado, o documento permitiria ao governo dos Estados Unidos cobrar de qualquer país que fosse signatário uma reação em caso de um ataque militar da então União Soviética contra o continente americano.
Guaidó e seus apoiadores viram no já quase esquecido tratado uma possibilidade jurídica de justificar uma intervenção estrangeira na Venezuela, sob a justificativa de que “a crise na Venezuela tem um impacto desestabilizador, representando uma clara ameaça à paz e à segurança no hemisfério”. Em uma reunião realizada na OEA no dia 11 de setembro de 2019, 12 dos 18 países-membros do Tiar votaram a favor do tratado, entre eles Brasil, Colômbia, EUA e Argentina, então governada por Mauricio Macri. A Venezuela, junto com a Bolívia, o México e a Nicarágua, já haviam há muitos anos se retirado do acordo. Entretanto, como a OEA reconhece Guaidó como presidente legítimo, o voto venezuelano a favor do tratado foi contabilizado. O governo de Maduro respondeu dizendo que o objetivo do tratado era “legitimar intervenções militares na América Latina por razões ideológicas” e condenou “de maneira categórica, diante da comunidade internacional e dos povos do mundo, a infame decisão de um pequeno grupo de governos da região que, alinhados aos interesses do governo supremacista dos Estados Unidos, invocaram a ativação de um nefasto instrumento da história do nosso continente como é o caso do Tiar”.
Cruzou a fronteira da Venezuela com a Colômbia auxiliado por narcotraficantes (12/09/2019)
Se lembram da tentativa de invadir a Venezuela levando uma suposta “ajuda humanitária”? E se lembram de que o governo venezuelano não encontrou registros da saída oficial de Guaidó do país? No dia 12 de setembro de 2019, Wilfredo Cañizares, ativista colombiano dos direitos humanos e líder da Fundação Progresso Norte de Santander, divulgou fotos que indicavam que o presidente autoproclamado cruzou a fronteira por rotas ilegais e foi auxiliado por membros de um grupo paramilitar e narcotraficante chamado Los Rastrojos. Nas imagens, Guaidó aparece posando para a fotos abraçado com dois homens que, mais tarde, foram identificados como integrantes do grupo criminoso. Em uma das fotos é possível ver que um dos homens está armado com uma pistola na cintura.
O deputado rapidamente negou as informações e afirmou que apenas “posou com desconhecidos”, que não sabia que os homens eram narcotraficantes, achando que eram “apoiadores” que pediam fotos.
No dia 20 de setembro, o Ministério Público da Venezuela divulgou novas fotos da travessia ilegal de Guaidó pela fronteira. Ainda segundo a Justiça venezuelana, um integrante do grupo “Los Rastrojos”, que havia sido preso em território venezuelano próximo à fronteira, confirmou a veracidade da operação para garantir a “segurança e o transporte” do presidente autoproclamado”.
Aliados de Guaidó invadiram embaixada da Venezuela em Brasília (13/11/2019)
Como já mencionado nesse texto, o deputado que se diz presidente chegou ao ponto de nomear “embaixadores” de seu “governo” em diversos países. Na maioria dos casos, são venezuelanos ligados a forças de direita e que há muitos anos vivem no exterior. Alguns conseguem operar certos serviços diplomáticos pois contam com a ajuda dos governos dos países onde estão baseados que reconhecem Guaidó como presidente da Venezuela. É o caso do Brasil que, apesar de ainda ter uma embaixada legal funcionando em Brasília, reconhece os serviços da representante nomeada por Guaidó.
No dia 13 de novembro de 2019, um grupo de pessoas identificadas como apoiadores de Guaidó invadiu a sede diplomática venezuelana e chegaram a entrar no prédio da embaixada. Manifestantes se concentraram em frente ao local para defender o edifício e entraram em confronto com os aliados de Guaidó. Segundo relatos, os invasores pareciam ser “contratados” para o serviço. Os deputados brasileiros Glauber Braga (Psol) e Paulo Pimenta (PT) também foram ao local para denunciar o ocorrido. Após horas de tensão, os invasores foram expulsos. O presidente Jair Bolsonaro publicou duas versões repudiando a ação. Na primeira publicação, chamou o fato de “invasão” e disse que já havia tomado medidas para “resguardar a ordem pública”. Minutos depois, a mensagem foi apagada e substituída por uma nova que retirava a palavra “invasão” e se referia aos “eventos ocorridos na embaixada”.
Aliados são acusados de corrupção e direita exige ‘renúncia’ do autoproclamado presidente (04/12/2019)
Uma investigação do portal Armando.Info apontou o envolvimento de nove deputados da oposição aliados de Juan Guaidó – alguns da Comissão de Controladoria do Parlamento – em manobras para favorecer o empresário colombiano Carlos Lizcano acusado pelos Estados Unidos de lavagem de dinheiro na compra de alimentos no exterior para as lojas Clap, que fazem parte da rede de abastecimento alimentar da Venezuela. Dias depois, o presidente do partido de direita Grande Aliança Nacional (GANA), Enrique Aristeguieta Gramcko, exigiu a renúncia do autoproclamado presidente da Venezuela por perder “legitimidade no exercício de suas funções”.
Perde eleição para a presidência da AN e é acusado de simular um impedimento para participar da votação (ou de quando Guaidó tentou pular a cerca do Parlamento) (05/01/2020)
Em eleições para a presidência do Parlamento venezuelano, realizadas em janeiro de 2020, Guaidó foi derrotado e perdeu o cargo que o levou a se autoproclamar presidente do país. A Assembleia Nacional escolheu Luis Parra, do partido de direita Primeiro Justiça, para chefiar o Legislativo. Entretanto, Guaidó e seus apoiadores não participaram da votação e acusaram fraude. Segundo esse setor da oposição, o governo do presidente Nicolas Maduro impediu fisicamente a entrada de opositores no prédio do Parlamento. Guaidó chegou a tentar saltar uma grade do prédio da Assembleia, sem sucesso. Membros do governo Maduro e vários deputados, tanto chavistas quanto da oposição que participaram da eleição, disseram que não havia tal impedimento e que o grupo de Guaidó, ao perceber que estava em minoria, simulou essa barreira.
Ameaçou ‘tomar’ a emissora multiestatal teleSur (12/01/2020)
Por diversas vezes, Guaidó já admitiu que suas ideias só chegam à população venezuelana através do Twitter. Na realidade, apenas algumas emissoras privadas da Venezuela se referem ao deputado como “presidente interino” do país. Em sua grande maioria, a imprensa venezuelana cobre Guaidó como um parlamentar que se “autoproclamou mandatário” e tem “envolvimentos com os interesses norte-americanos” na América Latina. Em janeiro de 2020, o deputado anunciou a intenção de impor um “processo de reorganização” dentro da emissora multiestatal teleSur, uma das maiores redes de TV da região latino-americana. Guaidó acusou a teleSur de “promover a desestabilização da região, respaldar grupos terroristas, atentar contra a democracia, mentir sobre a venezuela e defender a ditadura de Maduro”. Após as declarações, diversos presidentes de países nos quais a teleSur transmite programação e jornalistas ligados à emissora denunciaram a tentativa do deputado de “tomar” a rede televisiva. Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, Miguel Díaz-Canel, mandatário cubano, e Patrícia Villegas, jornalista que é presidente da teleSur, se manifestaram em defesa da emissora.
Caracas diz que tio de Guaidó viajou à Venezuela carregando explosivos (12/02/2020)
Guaidó e apoiadores realizaram uma tour mundial no início de 2020, na qual visitaram alguns países da Europa e os Estados Unidos (o deputado foi aplaudido de pé no Congresso norte-americano, por republicanos e democratas, durante o discurso do State of the Union de Trump). No dia 12 de fevereiro, o governo da Venezuela afirmou que investigações indicavam que o tio de Guaidó, Juan José Marquéz, que esteve com o deputado nas viagens, havia retornado à Venezuela vestindo um colete a prova de balas e “substâncias de natureza explosiva” no avião em que retornou ao país sul-americano. Além disso, Caracas apontou para o fato de o nome do próprio Guaidó não constar na lista de passageiros do voo de volta à Venezuela. Ambos voltaram de Portugal em um avião da cia. TAP. Após as acusações, o governo Venezuela suspendeu por 90 dias os voos da empresa portuguesa. A TAP, por sua vez, respondeu dizendo que abriria uma investigação para apurar o que aconteceu na viagem.
Fato curioso envolvendo esse episódio foi quando Guaidó foi recebido no aeroporto internacional Simón Bolívar com protestos da população local. O deputado foi chamado de “golpista” e “lacaio de Trump”, sendo obrigado a literalmente correr de um grupo de venezuelanos. Na fuga, o deputado perdeu um dos sapatos, que foi exibido como “troféu” pelos manifestantes.
Contratação de mercenários norte-americanos e 3ª tentativa de golpe (03/05/2020)
Na manhã de um domingo de maio, um pescador venezuelano, integrante das Milícias Bolivarianas, intercepta e dá voz de prisão a tripulantes de uma pequena embarcação não identificada que trazia armamentos e equipamentos para operações militares. Horas depois, o ministro do Interior, Néstor Reverol, anunciou que outras pessoas a bordo de barcos e botes haviam sido capturadas em ação coordenada entre as Forças Armadas, a Guarda Nacional Bolivariana e as Milícias Populares. Segundo o ministro, um plano para invadir a Venezuela, tomar Caracas e derrubar o presidente Nicolás Maduro havia acabado de ser desmantelado.
Três dias depois, quando pouco se sabia sobre os responsáveis pela operação, uma empresa de “segurança privada” norte-americana chamada Silvercorp, que dizia ter prestado serviços de segurança ao presidente Donald Trump, reivindicou a execução do plano em suas próprias redes sociais. Em um vídeo, o ex-boina verde do Exército dos EUA Jordan Goudreau, presidente da empresa, aparece ao lado do ex-capitão do Exército venezuelano Javier Nieto Quintero, afirmando que uma operação “arrojada e audaciosa foi iniciada a partir da fronteira da Colômbia até o coração do centro de Caracas” e que unidades haviam sido ativadas no sul, leste e oeste da Venezuela. Não satisfeito, Goudreau foi ao Twitter e anunciou a operação – marcando o presidente dos EUA, Donald Trump, que negou saber da invasão. A conta da Silvercorp foi apagada da rede social.
Não demorou até que os contratantes da empresa fossem descobertos. No dia 7 de maio, em entrevista à CNN em espanhol, Juan José Rendón, assessor político de Juan Guaidó, admitiu ter contratado a Silvercorp para invadir o território venezuelano e sequestrar lideranças do país, incluindo o presidente Nicolás Maduro. A confissão veio após um contrato entre as partes ser divulgado pelo governo venezuelano. Há a assinatura de Jordan Goudreau, de Rendón, e de Guaidó. O assessor do presidente autoproclamado tentou se defender afirmando que em nenhum momento foi dada “luz verde” para que se executasse o plano acordado entre a oposição venezuelana e os norte-americanos, destacando que não sabe “como assinatura de Guaidó chegou ali”.
Dezenas de pessoas foram presas, incluindo ex-militares venezuelanos e dois ex-soldados norte-americanos, que confessaram os objetivos da operação.
Se apropriou de ativos venezuelanos no exterior: Citgo, Monomeros e ouro no Reino Unido (05/10/2020)
O governo venezuelano sofreu prejuízos bilionários com a autoproclamação de Guaidó e suas ações. O mandato fictício do deputado levou o governo dos EUA a não reconhecer a direção da Citgo, uma subsidiária da estatal petroleira da Venezuela, a PDVSA, que opera em território norte-americano. Guaidó nomeou aliados para o comando da empresa, que foram reconhecidos por Washington, e passou a controlar um patrimônio avaliado em 30 bilhões de dólares. O mesmo aconteceu com a Monómeros, filial de uma empresa petroquímica venezuelana chamada Pequiven, que fica na Colômbia e abastece cerca da metade do mercado de fertilizantes no país. Segundo reportagem do Brasil de Fato, desde março até dezembro de 2019, quando passou a ser controlada por indicados de Guaidó, a empresa “perdeu 90% do seu valor de mercado, diminuiu sua capacidade produtiva em 400 mil toneladas métricas de derivados petroquímicos, teve um prejuízo de 20 milhões de dólares e ainda registrou um gasto de US$ 3 milhões em viagens, hotéis escoltas e aluguéis”.
Já em 2020, Guaidó entrou com uma ação na Justiça britânica para que o país, que o reconhece como presidente legítimo da Venezuela, desse a ele controle sobre uma reserva de ouro venezuelano de 31 toneladas, avaliada em 1,8 bilhão de euros. O Escritório de Assuntos Exteriores da Commonwealth (FCO – pela sigla em inglês) chegou a solicitar ao Banco da Inglaterra o acesso ao ouro venezuelano por Guaidó. Entretanto, em outubro, o Tribunal de Apelação britânico concedeu recurso ao Banco Central da Venezuela sobre seu direito a acessar as reservas de ouro depositadas no Banco da Inglaterra.
‘Embaixadores’ emitiram documentos falsos a venezuelanos no Brasil (06/10/2020)
Os indicados por Guaidó para serem “embaixadores” de seu autoproclamado governo continuaram a protagonizar escândalos. Em outubro, o Ministério das Relações Exteriores da Venezuela emitiu um alerta a todos os cidadãos venezuelanos no Brasil para que não aceitassem nem pedissem auxílio a autoridades consulares ilegítimas. Segundo reportagem do Brasil de Fato, os principais documentos emitidos foram a “constância de registro consular, um requisito para tramitar o Registro Nacional de Estrangeiro (RNE) com a Polícia Federal; e o reconhecimento da licença de condutor, exigido pelo Detran para entregar uma carteira de motorista”.
De acordo com Caracas, órgãos públicos brasileiros foram orientados a se recusarem a aceitar documentos legítimos da Venezuela, sendo obrigados a exigirem papéis emitidos por funcionários de Guaidó. O governo venezuelano alega que o fato ocorre com incentivo do Itamaraty.
Não participou das eleições legislativas e convocou um ‘referendo’ que não teve auditoria dos resultados (12/12/2020)
Guaidó não participa de uma eleição desde 2015, quando foi eleito nas últimas eleições parlamentares para seu primeiro mandato como deputado e venceu em segundo lugar em seu estado. O autoproclamado teria a chance de se reeleger em 2020 para outro ano legislativo, na votação que ocorreu no dia 6 de dezembro, mas preferiu não concorrer, acusar fraude e chamar o pleito de ilegítimo.
Fato é que mais de 6 milhões de venezuelanos foram às urnas e definiram os próximos 277 deputados que farão parte da nova Assembleia Nacional, que assumirá suas funções no dia 5 de janeiro, colocando fim ao período legislativo iniciado em 2015 e, simultaneamente, ao mandato de Guaidó.
O deputado e seus aliados boicotaram as eleições, mas criaram sua própria votação, que chamaram de “Consulta Popular”. O objetivo era perguntar aos venezuelanos se rejeitavam a eleição legislativa e o governo de Maduro. O voto presencial aconteceu no dia 12 de dezembro, mas qualquer cidadão poderia votar desde o dia 7. Diversas denúncias de fraude foram registradas pela imprensa, apontando para a fragilidade dos sistemas escolhidos para o voto à distância. Os opositores disponibilizaram um canal pelo aplicativo Telegram e um outro pelo software norte-americano chamado Voatz. A única condição era uma foto de uma cédula de identidade, fato que levou muitos a questionarem se o documento de pessoas mortas estaria sendo usado para registrar votos falsos.
Outro ponto que indica a fragilidade da votação de Guaidó é o fato de não haver quem auditasse o processo, já que o referendo foi organizado pelo grupo de aliados do deputado. Além disso, os responsáveis prometeram queimar toda a documentação reunida na votação, sob a justificativa de que a “ditadura” de Maduro poderia perseguir quem votou.