“Ele está vivo, meu avô não! Esse ser horrível negou a meu pai a presença paterna e a mim a oportunidade de ter um avô”, disse Xoana Potenza, neta de uma das vítimas do torturador uruguaio Jorge Nestor Troccoli, 81 anos. O ex-agente da ditadura do Uruguai está sendo julgado pela segunda vez na Itália por crimes cometidos no âmbito da Operação Condor, uma rede de colaboração entre as ditaduras do Cone Sul para aniquilar opositores políticos aos regimes.
Potenza falou com Opera Mundi enquanto aguardava o início da audiência que aconteceu nesta quinta-feira (20/10), na Terceira Corte de Assis do Tribunal de Roma, localizada na prisão de Rebibbia.
Seu avô, José Agustín Potenza, e a companheira Rafaela Filipazzi, foram sequestrados em Montevidéu, capital do Uruguai, em 27 de maio de 1977, no Hotel Hermitage. O casal foi levado ao centro clandestino do Fusna, corpo dos Fuzileiros Navais ao qual Troccoli pertencia.
De acordo com documentos, no dia 8 de junho do mesmo ano, eles foram entregues a agentes do ditador paraguaio Alfredo Stroessner e transferidos para Assunção, capital do país, no voo 303 das Linhas Aéreas Paraguaias. Chegando na cidade, José Agustín e Rafaela foram registrados como “detidos sem entrada” e, depois, assassinados.
Para Potenza, o assassinato de seu avô representa a “essência do que foi aquela terrível operação”. “Meu avô era argentino, foi preso no Uruguai, quando foi torturado, e assassinado no Paraguai”, declarou.
“Por anos eles foram considerados desaparecidos, não nos davam informações, não diziam absolutamente nada. […] Meu pai se fechou, não falava sobre o que havia acontecido, até porque ele sofreu muito com a ausência de meu avô. Não saber o que aconteceu é viver na tortura”, afirmou a neta, que, agora, busca justiça.
No entanto, o silêncio das autoridades mudou de direção quando, em março de 2013, os corpos foram encontrados em Assunção. Segundo Potenza, somente em 2016 a família teve a confirmação de que era seu avô. “Dentro da desgraça, encontrar o corpo foi melhor do que podíamos esperar porque representava o fim de um ciclo. A partir daquele momento começamos uma outra luta, aquela por justiça”, contou.
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A ditadura do Uruguai governou o país por doze anos, de 27 de junho de 1973 até 28 de fevereiro de 1985
Além do casal José Agustín e Rafaela, Troccoli também é acusado pela morte de Elena Quinteros. Desde julho de 2021, o ex-agente uruguaio está preso na Itália após ser condenado com outras 13 pessoas à prisão perpétua pela morte e desaparecimento de italianos ocorridos nos anos mais sangrentos dos governos repressivos sul-americanos.
Troccoli, apesar de não ter assistido a essa sessão, vai acompanhar o julgamento do avô de Potenza de perto, sentado na primeira fila, ao lado de seus defensores. “Na audiência passada nossos olhares se cruzaram e eu me mantive firme pensando no fato de que estou aqui por justiça, por meu avô, por meu pai e por mim”, disse.
Para ela, ao ser questionada dos motivos de realizar outro processo contra o uruguaio, considerando que ele já está preso, Potenza responde prontamente: “ele não foi condenado pela morte de meu avô”.
Durante a audiência desta quinta-feira, a Corte formada por um colégio de doze juízes, presidido por Antonella Capri, aceitou todas as testemunhas indicadas tanto pela acusação quantos por partes civis, rejeitando o pedido de Troccoli para apresentar um conselheiro militar que explicasse as suas funções no Fusna.
Agora, as datas das próximas audiências foram divulgadas, e a Corte passa a ouvir as testemunhas a partir de 14 de fevereiro de 2023. Opera Mundi é o único veículo da imprensa brasileira a cobrir os julgamentos dos crimes da Operação Condor na Itália.