A Terceira Corte de Assis, do Tribunal de Roma, na Itália, começou nesta quinta-feira (14/07) o novo julgamento do militar uruguaio aposentado Jorge Nestor Troccoli, acusado pela Justiça italiana de ter participado de crimes cometidos no âmbito da operação Condor, uma rede de colaboração entre as ditaduras do Cone Sul para aniquilar opositores políticos aos regimes.
Desde julho de 2021, Troccoli está preso em uma penitenciária do país europeu por ter sido condenado, junto com outras 13 pessoas, à prisão perpétua pela morte e desaparecimento de dezenas de italianos ocorridos nos anos mais sangrentos dos governos repressivos sul-americanos.
Neste novo julgamento, o ex-militar é acusado pela morte e desaparecimento de Raffaela Giuliana Filipazzi, José Augustin Potenza e Elena Quinteros nos anos 1970 e 1980.
O militar de 81 anos chegou na sala “bunker”, local da audiência de segurança máxima da penitenciária de Rebibbia, por volta das 8h40 (horário local) escoltado pela polícia e foi levado diretamente para uma cela dentro da Corte.
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Sentado, enquanto esperava o início da sessão, parecia calmo e tranquilo. Conversou com Marco Bastoni, um de seus advogados, por alguns minutos para decidir quem chamaria em sua defesa. De fato, as listas de testemunhas que serão convocadas a depor pelo Ministério Público e pelos advogados das vítimas já estavam prontas.
Na audiência desta quinta, o colégio de 12 juízes, presidido por Antonella Capri, escutou com atenção a apresentação das partes civis, isto é, os familiares das vítimas e os interessados em acompanhar o processo como os três principais sindicatos Italianos – Cisl, Cgil e Uil – além da Frente Amplio, coalizão que inclui o Partido Vitória do Povo, o qual fazia parte Quinteros.
Foi justamente no momento da leitura das partes que Troccoli começou a se agitar. Em pé, caminhava dentro da cela, chegava nas grades e voltava para o banco em um ritmo não muito acelerado, mas constante. Quando um dos advogados pronunciou Frente Amplio, ele ficou visivelmente irritado.
Bastoni e Francesco Guzzo, que compõem o time de defesa de Troccoli, protestaram contra a inclusão da Frente Amplio e de Graziela Almeida, prima de Elena Quinteros, como parte civil. Segundo a defesa do uruguaio, ela não é uma parente direta da vítima, mas de segundo grau.
“Um processo penal não é como um hotel onde todos se apresentam”, disse Bastoni à imprensa no final da audiência.
Diante da polêmica levantada, a Corte decidiu adiar a decisão para o dia 27 de setembro, assim terá tempo para analisar o caso. No final da sessão, Troccoli que já estava irritado, dizia a seus advogados que não queria estar na cela, mas sentado entre eles nas próximas audiências.
Nadia Angelucci
Ex-militar uruguaio Troccoli durante sessão do segundo julgamento contra crimes cometidos no âmbito da operação Condor
Diferentemente do primeiro julgamento, nesse segundo, o uruguaio acompanhará de perto o processo contra ele, informou Bastoni.
Além de Troccoli e seus advogados, presentes nesta audiência também estavam o procurador do caso Amélio Camelio Erminio, o advogado do Estado italiano Luca Ventrella e os advogados Arturo Salerni e Mario Antonio Angelelli que defendem as famílias das vítimas.
Se constituíram parte civil no processo o governo da Argentina e a Assembleia Permanente pelos Direitos Humanos também do país sul-americano. O Estado do Uruguai não será parte civil, mas acompanhará o julgamento com a advogada Alessia Merluzzi. Também esteve na sessão Horacio Pietragalla, do Ministério da Justiça argentina.
Quem eram as vítimas?
Para o procurador Erminio, Troccoli era ex-oficial do serviço secreto da marinha uruguaia (Fusna) e oficial responsável pelos contatos com o órgão de coordenação de operações anti-subversivas (O.C.O.A). Segundo ele, o réu teria participado da morte de Filipazzi (italiana), Potenza (argentino) e Quinteros (uruguaia), “com o agravante de ter cometido os atos com premeditação, usando tortura e agindo com crueldade, abuso de poder e meios insidiosos”, disse.
De acordo com o MP italiano, Filipazzi e o marido Potenza foram sequestrados em Montevidéu, capital do Uruguai, em 27 de maio de 1977, no Hotel Hermitage, e foram levados para o centro clandestino do Fusna. Em 8 de junho, ambos foram entregues a agentes da repressão do ditador paraguaio Alfredo Stroessner e transferidos para Assunção, capital do Paraguai, no voo 303 das Linhas Aéreas Paraguaias.
Chegando na capital, foram registrados como “detidos sem entrada” e assassinados. Permaneceram na lista dos desaparecidos até 2016, ano em que seus restos mortais foram identificados em uma vala comum localizada em uma propriedade do Grupo Especializado da Polícia Paraguaia.
Já Quinteros foi sequestrada em sua casa durante uma operação conjunta entre o Fusna e a O.C.O.A. Em 28 de junho de 1976, quatro dias após o sequestro, ela fingiu que entregaria um companheiro em uma zona próxima à embaixada da Venezuela. A uruguaia conseguiu escapar e entrar nos jardins da sede diplomática venezuelana, onde pediu asilo, mas oficiais do órgão de operações anti-subversivas entraram no local e a prenderam.
O fato gerou uma ruptura das relações diplomáticas entre Uruguai e a Venezuela. A militante do Partido Vitória do Povo foi levada para o centro de tortura chamado “300 Carlos – o Inferno Grande” e nunca mais foi encontrada. Em uma ficha dos arquivos do Fusna, ela aparece como morta entre os dias 2 e 3 de novembro de 1976.