No programa SUB40 desta quinta-feira (29/07), o fundador de Opera Mundi, Breno Altman, entrevistou a romancista, ensaísta e cronista, autora do livro Cães (Editora Penalux, R$ 40), Júlia Grilo, sobre literatura e política.
Nascida em Salvador, ela contou que estabeleceu um vínculo afetivo com a literatura desde muito cedo (“gostava de ouvir histórias antes de dormir”, disse), e começou sua trajetória como escritora na internet, em blogs que criava para publicar textos confessionais, “com ironia e a linguagem rápida da internet”.
Sua primeira grande referência — e motivo pelo qual virou escritora de livros e não de blogs —, foi Machado de Assis e a obra Dom Casmurro. Aliás, o realismo é o gênero que mais inspira a autora até hoje: “Leio muito Dostoievski, que também é realista; Gabriel García Márquez, que é realista mágico. E Elena Ferrante”.
Grilo estreou na literatura com o romance Cães, cuja narração salta entre primeira e terceira pessoa, e que também contém características de ensaio: “É um texto híbrido. Mescla romance e ensaio porque ensaio foi o primeiro tipo de literatura que aprendi a escrever, e acho que isso tem a ver com ter Machado de Assis como referência”.
E, da mesma forma que seus ídolos, ela disse querer que sua literatura seja universal, ainda que a história de Cães se passe entre o Recôncavo e o litoral baiano, e que acompanhe a trajetória e as questões da cadela Cafeína.
“O mundo é um só, a vida se entrelaça. Não penso dentro de regiões ou recortes, porque a minha percepção é a de uma estrutura que abarca simultaneamente várias relações. Eu não poderia falar da minha relação com Cafeína sem falar sobre ser mulher, e não poderia falar sobre ser mulher sem falar de raça”, discorreu.
Sobre a protagonista, apesar de “até gostar da humanidade”, Grilo se inspirou em sua própria cadela, Cafeína.
“Cafeína estava morrendo e eu não sabia, e ainda não sei, lidar com as coisas que acabam. Para organizar essa perda e essa culpa, porque eu me sentia culpada pela morte e o apodrecimento de Cafeína, que ocorreu depois que ela pariu porque eu queria que ela tivesse filhotinhos, determinando o que ocorria com o corpo dela, ia escrever só um texto, mas Cafeína era tão carismática. Por conta desse jorro de vida que Cafeína pulsava, percebi que podia transformar a crônica em livro”, revelou.
Impeachment de Dilma
Nascida no ano 2000, Grilo não tem lembrança dos governos Lula, mas acompanhou o impeachment de Dilma Rousseff “com muito pesar”. Ela contou ter se identificado com a ex-presidente durante o processo que culminou no golpe: “Desenvolvi uma relação de solidariedade com ela. A percebia como uma figura muito acuada e me via assim também na escola, então criei essa identificação”.
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Júlia Grilo, autora do livro Cães, foi a entrevistada desta quinta (29/07) do SUB40
Sobre o governo Bolsonaro, a autora foi taxativa: “É obviamente tenebroso”. Por outro lado, disse sempre saber que a regra da humanidade é o horror, “então nunca pensei que sairia ilesa dessas experiências catastróficas”.
Ela não está organizada politicamente, confessando ter dificuldade “para lidar com grupos e autoridades”, mas disse ter reconhecido a importância de ter um “compromisso ético claro e ser rigorosa com as minhas crenças a partir do momento que as coloco como orientadoras do meu comportamento social e político”.
Nesse sentido, ela afirmou que fará campanha para Lula durante as eleições de 2022.
“Sou totalmente petista. Depois que Lula for eleito, posso pensar em fazer autocrítica, mas até lá farei campanha”, reforçou.
Futuro
Graduanda em psicologia pela Universidade Federal da Bahia, Grilo afirmou que quer trabalhar com psicologia no futuro, já que “me parece perigoso confiar na literatura como fonte de renda exclusiva”.
“Mas quero me equilibrar entre a psicologia e a literatura. Acho que vou continuar gostando de escrever. Há escritores que não gostam, eu gosto e espero continuar gostando — e escrevendo melhor. Quero aperfeiçoar minha relação com o romance, sobre guerra principalmente. Sobre todas elas ou o que todas têm em comum. É um tema pretencioso, mas tenho pesquisado muito”, concluiu.