A socióloga Tabata Tesser, ativista da organização Católicas pelo Direito de Decidir, esteve no programa SUB40 desta quinta-feira (30/06), com Haroldo Ceravolo Sereza, e descreveu a dupla militância do movimento, simultaneamente junto à Igreja Católica e aos poderes constituídos no país.
“Defendemos que esta pauta esteja no debate político e eleitoral e, no que concerne às Católicas pelo Direito de Decidir, iremos pressionar um futuro governo progressista pelo aborto legal, seguro e gratuito no Brasil”, disse.
O tema ganhou repercussão adicional nos últimos dias após os casos da menina de 11 anos que foi estuprada em Santa Catarina e impedida por decisão da juíza Joana Ribeiro de realizar o aborto, a que tinha direito por lei, e da atriz Klara Castanho, que teve sua intimidade revelada após entregar para adoção, também sob amparo legal, um bebê que era fruto de um estupro.
Nos Estados Unidos, na sexta-feira (24/06), a Corte Suprema revogou na prática o direito ao aborto, em vigor desde 1973, transferindo a cada estado do país a responsabilidade de legislar sobre o tema.
Tesser afirma que a sociedade e as instituições brasileiras, inclusive a Igreja Católica, humanizam e “cidadanizam” o feto ao mesmo tempo que desumanizam a menina ou mulher, ao restringirem e combaterem o poder de decisão sobre seus próprios corpos. “Essa concepção punitivista de pecado, que mais quer punir a vítima que entender seu sofrimento, é um processo que viola a liberdade de consciência e o direito de escolha, questões fundamentais para o cristianismo desde Santo Agostinho”, afirma.
Católica praticante e filha de um ex-pastor evangélico e de uma aviadora, a socióloga exerce o ativismo a partir de dentro, num trabalho iniciado em proximidade com a Teologia da Libertação, na Pastoral da Juventude e nas Comunidades Eclesiais de Base. No processo, diz que foi convencida tanto teologicamente como politicamente de que lutar pelo aborto no Brasil significa lutar por justiça social.
Essa concepção se aprofundou em 2013, no contexto das chamadas Jornadas de Junho, quando travou contato com o grupo Católicas pelo Direito de Decidir e encontrou respostas a questionamentos que fazia sobre atravessamentos machistas, coloniais e racistas dentro da instituição.
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Tesser defende que debate sobre o aborto é uma ‘urgência’ atual
“Podemos falar sobre justiça social, mas não sobre o direito de decidir. Historicamente, o papel das mulheres na Igreja Católica é de reprodução e maternidade. A concepção de virgindade de Maria retira qualquer possibilidade sexual no ato de gravidez”, critica.
Questão de saúde pública
O movimento Católicas pelo Direito de Decidir defende o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) como plataforma para o exercício dos direitos reprodutivos, à base de planejamento familiar, cuidados pré-natais, combate à violência obstétrica e a violações contra a mulher nos períodos de gestação, parto e pós-parto.
De acordo com Tesser, a concepção católica antiaborto se desconecta da realidade e na prática penaliza preferencialmente mulheres pobres e negras, enquanto as classes média e alta realizam os mesmos procedimentos sob proteção privilegiada em clínicas particulares.
“As mulheres que mais realizam abortos no Brasil são cristãs, católicas ou evangélicas”, pontua. Ela cita iniciativas semelhantes à das Católicas pelo Direito de Decidir no neopentecostalismo, como a Frente Evangélica pela Legalização do Aborto, as Evangélicas pela Igualdade de Gênero e a Rede de Mulheres Negras Evangélicas.
A reação conservadora contra os direitos femininos não se restringe a setores reacionários e fundamentalistas, mas se verifica também entre progressistas, que, afirma, se tornam conservadores quando o assunto é aborto. Um exemplo é o da reação de políticos a uma fala recente do candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva, na direção de que a legalização é questão de saúde pública. “O movimento feminista ficou espantado com lideranças que afirmaram que não era hora de falar nesse assunto. Há muitos anos sempre falam para nós que nunca é a hora. Ficou muito evidente como setores progressistas não estão preparados para o debate sobre o aborto. A urgência é agora”, defendeu.
A socióloga descreve o ataque aos direitos femininos pelo lado bolsonarista: “vivemos um momento em que direitos que eram assegurados estão sendo violados por um governo que tem na sua lógica a criminalização máxima do aborto, logo a criminalização máxima das mulheres e meninas”.