Em 11 de setembro de 1973, há exatos cinquenta anos, um golpe militar no Chile derrubou o governo constitucional do presidente socialista Salvador Allende. No 20 MINUTOS ANÁLISE desta segunda-feira (11/09), o jornalista Breno Altman rememorou o fato histórico.
Com o golpe, as Forças Armadas, lideradas pelo general Augusto Pinochet, assumiram o poder e impuseram uma ditadura que iria durar 16 anos, até 1989.
“Durante esse período, através de um regime marcado pela repressão e o terror, a tirania fardada reorganizou o capitalismo chileno, eliminou conquistas sociais, consolidou reformas liberais e garantiu, à associação entre o capital estrangeiro e o empresariado interno, as mais exorbitantes taxas de lucro”, introduz Altman.
No contexto social, mais de três mil chilenos foram assassinados ou estão desaparecidos até os dias de hoje. Além das dezenas de milhares que foram presos e torturados. Ademais, outro tanto teve que ir para o exílio ou a clandestinidade.
A interrupção da via democrática ao socialismo, para usar uma das identidades que marcaram o governo Allende, conduziu a um regime político servil ao poder do capital, cujos reflexos sobre o Estado, a economia e a sociedade até hoje se fazem sentir no país latino-americano.
“A experiência allendista, por outro lado, teve enorme repercussão internacional, tanto em sua ascensão quanto na sua derrubada. Vale a pena relembrar o 11 de setembro de 1973 para além de denunciar o fascismo e honrar a resistência: é possível e necessário tirar lições daquele episódio, que deixou rastros de sangue e dor por toda a América Latina”, lembra o jornalista ao mencionar que não apenas a ditadura deve ser lembrada nesta data.
Quem foi Allende e como ele chegou ao poder?
Altman começou o programa explicando a origem de Salvador Allende e sua trajetória até conquistar a presidência do Chile em 1970.
Médico por formação e profissão, senador e um dos principais líderes do Partido Socialista, foi eleito presidente da República, com 36,6% dos votos, em 4 de setembro de 1970 como candidato de uma coalizão chamada Unidade Popular, a UP, que tinha como forças dirigentes os socialistas e o Partido Comunista.
No entanto, pela Constituição chilena da época, quando nenhum candidato obtinha maioria absoluta, como ocorrido, o segundo turno era realizado apenas entre os membros do Congresso Nacional. Allende conquistou, na sessão do dia 24 de setembro de 1973, 153 dos parlamentares, contra 35 de seu concorrente, Alessandri, graças ao apoio do Partido Democrata Cristão e de grupos independentes.
“A Unidade Popular apresentava como seu grande objetivo, através de um programa que incluía a estatização dos principais meios de produção, distribuição e crédito, iniciar a transição chilena a uma sociedade socialista”, informou o jornalista.
Segundo sua análise, a UP tinha uma tese de que a transição para o socialismo poderia “ocorrer por dentro da democracia liberal e das instituições, com as forças de esquerda formando e ampliando maioria até dirigirem todos os setores do Estado, sem a necessidade de uma revolução política que previamente destruísse o antigo poder político e estabelecesse uma nova ordem, em confronto aberto contra as velhas classes dominantes”.
O plano de Allende dependia de uma “maioria almejada”, mas não foi isso que aconteceu. “Em seu melhor momento, nas eleições ocorridas em março de 1973, conquistou 44,23% dos votos no Parlamento, obtendo 63 das 150 cadeiras entre deputados e 19 das 50 vagas entre senadores. A apenas seis meses do golpe, toda a direita, incluindo o Partido Democrático Cristão, estava unificada em uma coalizão chamada Confederação da Democracia, que tinha 87 deputados e 31 senadores”, lembrou Altman.
Como foi o governo de Allende?
Apesar de não ter a maioria no Parlamento, o governo Allende conseguiu implementar reformas estruturais, impulsionando a mobilização social sobre o parlamento e aproveitando divergências eventuais entre as fileiras dos partidos burgueses. O avanço na reforma agrária, a nacionalização da mineração do cobre e de outros setores vitais, a adoção de programas sociais e a ampliação dos serviços públicos estão entre os feitos de sua curta gestão.
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Neste programa de análise, Breno Altman traz histórico até golpe que derrubou o presidente socialista Allende
O governo e os partidos de esquerda trataram de fomentar o que era chamado de poder popular. Formaram-se cordões industriais, nas regiões fabris, nos quais os trabalhadores elegiam conselhos e intervinham na direção das empresas, além de debater e atuar no cenário político nacional. Com as JAPs (Juntas de Abastecimento e Preço) os bairros e as comunas passaram a ter estruturas de poder para intervir sobre os meios de produção e comércio, ameaçados pela sabotagem dos empresários, que progressivamente tentaram desestabilizar o governo.
“Esse processo paulatino de empoderamento popular – no Estado, nas fábricas, nas fazendas, nas universidades e até em núcleos militares – foi capaz de arrancar conquistas relevantes, ao mesmo tempo em que conduzia a sociedade para uma polarização frontal, entre trabalhadores e capital, entre esquerda e direita”, afirmou Altman.
Assim, o governo Allende, mesmo limitadamente, implementava as reformas propostas pelo programa da UP, dentro da ordem institucional, mesmo sofrendo forte pressão de setores que exigiam maior radicalidade e ruptura com as instituições controladas pela direita.
Insatisfação e planos contra Allende
Como esperado após as transformações sociais, era furiosa a reação burguesa, aliada aos Estados Unidos, em plena guerra fria contra a União Soviética e o campo socialista. Até as eleições realizadas em março de 1973, essa reação era predominantemente constitucional: o plano era afastar Allende através de um julgamento parlamentar, em um processo de impeachment.
“Quando o resultado eleitoral, no entanto, deu maioria para o bloco conservador, para a Confederação da Democracia, mas sem número suficiente para o impeachment, a burguesia passou para uma tática abertamente golpista, apoiada nas Forças Armadas”, informou o jornalista sobre o que hoje conhecemos como o golpe que se consolidou em 11 de setembro de 1973.
De março até setembro, o governo Allende sofreu diversas sabotagens, com um ensaio geral do golpe marcado para 29 de junho: “O tenente-coronel Roberto Souper, precipitado, levantou o Regimento Blindado número 2, em um episódio que foi chamado de tancazo ou tanquetazo. A intentona foi sufocada pela reação do comandante do Exército, Carlos Prats, leal a Allende, que seria assassinado em 1974, na Argentina”, mencionou Altman.
“Ironicamente, um dos generais que participa da ofensiva contra aquela tentativa golpista foi Augusto Pinochet, que era tido pelo governo como um legalista e substituiria Prats no comando do Exército a partir do dia 22 de agosto”, adicionou.
Um tempo depois, já no dia 4 de setembro, mais de um milhão de pessoas marcharam em defesa do governo Allende. A crise econômica era grave, o ambiente político estava crispado, mas Allende e a UP seguiam no rumo traçado: evitar rupturas, manter a lógica da via institucional, neutralizar as forças antidemocráticas por dentro das instituições, ainda que pressionando-as através da mobilização social. A palavra de ordem lançada pelo Partido Comunista desde junho, e abraçada por Allende, a três meses do golpe, era “não a guerra civil”.
“Com o tancazo, constitucionalmente Allende poderia ter decretado o estado de sítio e fechado o parlamento, mas decidiu não fazê-lo. Ao contrário: tentou negociar, até às vésperas do golpe, um acordo pelo qual seria convocado um referendo sobre a continuidade ou não de seu governo, que deveria ser encerrado em 1976”, contou Altman.
11 de setembro de 1973
No dia fatídico, “às 5h da manhã do dia 11 de setembro, as Forças Armadas deslancham o movimento golpista. Poucas horas depois, o Palácio de La Moneda passa a ser bombardeado. Às 14h15 Allende estava morto: depois de um último discurso ao povo chileno, rechaçando qualquer possibilidade de renúncia ou rendição, decidira tirar a própria vida, quando a resistência no Palácio já se mostrava incapaz de deter os militares por mais tempo”, finalizou a exposição, o jornalista.
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