O governo do Haiti decidiu prorrogar mais uma vez o toque de recolher em vigor na região da capital até a próxima quarta-feira (20/03) para administrar o estado de emergência diante dos altos níveis de violência que são constantemente registrados na capital Porto Príncipe.
Segundo as autoridades, o estado de sítio entrou em vigor a partir do domingo (17/03), entre às 19h e 05h (horários locais). Durante esse período, agentes da força pública, bombeiros, profissionais de saúde e jornalistas precisarão estar devidamente identificado.
A julgar pela comunicação assinada pelo Ministro das Finanças, Michel Patrick Boisvert, que atua como primeiro-ministro em exercício, “as agências responsáveis pela aplicação da lei foram mandatadas para utilizar todos os meios legais à sua disposição para fazer cumprir o recolher obrigatório e deter os infratores”.
O ex-primeiro-ministro Ariel Henry está supostamente em Porto Rico, de onde renunciará quando um conselho presidencial de transição for implementado no Haiti.
A nota do governo recorda que durante o estado de emergência, em vigor até 03 de abril, é proibida qualquer manifestação na via pública, tanto de dia como de noite.
Com estas medidas, o governo procura “restabelecer a ordem e tomar as medidas adequadas para recuperar o controlo da situação”, já que desde o final de fevereiro a violência aumentou ainda mais no país caribenho, especialmente na área metropolitana de Porto Príncipe, sob o controle de gangues armadas que impõem o terror.
Atualmente multiplicaram-se os ataques contra instituições, empresas públicas e privadas, além de prisões, o que permitiu a fuga de mais de 3.000 presos há duas semanas. O Palácio Nacional e o Ministério do Interior também foram alvo das gangues, embora sem sucesso.
Este clima de terror levou milhares de pessoas a abandonarem suas casas e a tornarem-se pessoas deslocadas que vivem em campos improvisados, sem os serviços básicos necessários. Para ajudar a superar esta situação, o Haiti aguarda o envio de uma missão multinacional de apoio à segurança militar aprovada em outubro pela ONU e liderada pelo Quênia.
A Opera Mundi, o jornalista Werner Garbers, que também é pesquisador radicado no Haiti desde 2009, disse que a atual crise que assola o Haiti é resultado de uma ocupação norte-americana que durou décadas até violentos golpes de Estado apoiados por estrangeiros, e que a história do país está repleta de “intervenções desastrosas” que ajudaram a manter o território “atolado na pobreza”.
Além disso, ele destacou que há um medo entre os haitianos de que outra intervenção estrangeira possa acontecer em breve.
“As origens dessa crise atual nos conecta desde a fundação do país. Estamos falando de um país em que a revolução foi tabu e logo em seguida sofreu bloqueio econômico e depois teve de pagar uma ‘multa’ para a França pela sua libertação. O Haiti também já sofreu com uma ocupação norte-americana por 20 anos, período em que os EUA implementaram inúmeras formas de dominação com o sufocamento de movimentos sociais. Uma ditadura sanguinária que durou mais de 30 anos e as missões da ONU que sempre tem um modelo muito questionável e 36 países já participaram no envio de soldados ao país”, afirmou.
Garbers é crítico em relação às intervenções no país, denunciando que durante as missões da ONU aconteceram estupros, massacres e a disseminação da doença de cólera, que não existia no Haiti, e 800 mil pessoas foram contaminadas e não receberam quaisquer indenizações.
As gangues haitianas, por sua vez, apareceram no cenário internacional logo após o assassinato do então presidente do país Jovenel Moise. Para o pesquisador, tais grupos armados receberam força ainda no mandato de Moise, federalizando-as para a repressão contra manifestantes que saíram às ruas em 2019 e 2021.
“Quando ele foi assassinado a situação mudou, mas hoje o que se supõe é que Ariel Henry poderia estar utilizando essas gangues para trazer uma nova missão ou intervenção externa. Hoje as gangues têm um poder de fogo muito maior com armamento de guerra e alta tecnologia importada dos EUA”, disse.
O jornalista defende que é a população do Haiti que deve decidir o futuro do país, não os estrangeiros: “a ajuda humanitária deveria acontecer aos moldes haitianos, com eles à frente do seu próprio país e sem intromissão estrangeira violando sua autonomia”.
(*) Com TeleSur.