“Não existe revolução que não seja inspirada em Lenin e que não o reivindique como o seu animador teórico e sua inspiração político-prática”. Essa é a opinião do historiador e educador popular Jones Manoel ao ressaltar a figura do líder da Revolução Russa como sendo uma das mais importantes da história da Rússia, já que, neste domingo (21/01), completam 100 anos da morte do homem que revolucionou os valores do século 20 e provou à história o potencial do marxismo enquanto ferramenta de transformação política
A Opera Mundi, Manoel destacou e associou a figura política de Lenin com “três dimensões fundamentais”.
A primeira delas é a representação de um “renascimento e uma transformação fundamental do marxismo”. Para explicar o ponto, mencionou o sociólogo brasileiro Florestan Fernandes, que na década de 70 escreveu: “com Lenin, o marxismo se torna ‘marxismo leninismo’”. Segundo o historiador, a dimensão política da luta de classes e a teoria do partido revolucionário são postas em prática.
“Nenhum outro pensador ou outro revolucionário deu um grau de operacionalidade ou instrumentalidade para o marxismo enquanto na ciência e conhecimento da realidade, a partir da conquista do poder político”, explicou.
O segundo ponto é o fato de Lenin ser o primeiro estadista revolucionário, uma vez que o debate de liderar o Estado, até então, estava limitado à esfera da burguesia.
“Nunca tivemos uma experiência socialista duradoura e os chamados grandes nomes da política, como Napoleão [Bonaparte], Abraham Lincoln, Otto von Bismarck, eram todos governantes burgueses de colorações políticas e ideológicas diferentes”, disse o historiador, acrescentando que Lenin não apenas destruiu um paradigma, como também construiu uma “ordem socialista no papel do estadista”.
A terceira dimensão é a forma pela qual o líder bolchevique é conhecido pelos estudiosos: o pai do movimento comunista.
“O marxismo passa por uma crise na primeira guerra mundial em função dos princípios internacionais postos pela segunda, do Partido Social-Democrata operário alemão (SPD) votar a favor dos créditos de guerra. Com a Revolução Russa, com a criação da ‘Internacional Comunista’, uma organização fundada e protagonizada por Lenin, a gente entra em uma nova fase, um novo momento do marxismo a partir do movimento comunista”, explicou a Opera Mundi.
Quem foi Lenin?
Vladimir Ilyich Ulianov, mais conhecido pelo pseudônimo Lenin, nasceu em 22 de abril de 1870 na cidade russa de Simbirsk, atual Ulyanovsk.
Após a morte de seu irmão, Alexandre, que foi condenado por integrar uma organização acusada de tentar assassinar o líder do então regime opressor czarista, o jovem ganhou interesse na política e realizou diversas viagens ao exterior com o objetivo de expandir seus conhecimentos. Seu primeiro contato com grandes nomes revolucionários, como Karl Marx e Friedrich Engels, foi em Kazan, para onde se mudou e estudou direito.
Um dos principais defensores do progressismo russo, Lenin teve um papel fundamental na fundação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), da qual logo se tornaria o primeiro chefe de Estado.
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Vladimir Lenin, revolucionário comunista e primeiro chefe de Estado da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)
De acordo com Manoel, a conquista política de Lenin ao assumir a liderança da União Soviética está justificada pela própria história, é “diferenciada”.
“O maior feito de Lenin foi conseguir combinar, com acerto ímpar, a análise da realidade, a teoria da revolução e a prática da revolução. Nos últimos 50 anos, temos muitos teóricos e pensadores que têm contribuições importantes para compreender as dimensões do capitalismo contemporâneo, propostas de ação política e organizativa da classe trabalhadora, mas que não conseguem combinar a análise teórica com um acerto político”, comparou o historiador.
Um revolucionário descontinuado pelo conservadorismo
Apesar da marca histórica, Manoel afirmou que o processo de contrarrevolução da Rússia foi um elemento marcante para a forma que Lenin é visto na política russa nos dias de hoje.
“Do ponto de vista político, Lenin tem pouco impacto no país. A população tem muito mais simpatia por figuras como Joseph Stalin, dado que depois de toda a degradação da Rússia nos anos 1990, sob os governos de Boris Yeltsin [primeiro presidente após o fim da União Soviética, de 1991 a 1999], [Vladimir] Putin começa um processo de recuperação e estabilização do capitalismo russo desde uma perspectiva de um nacionalismo conservador. E, dentro dessa ótica, o governo reivindica a figura de Stalin como liderança e símbolo da vitória da Grande Guerra Patriótica, como chamavam a Segunda Guerra Mundial”, declarou.
O historiador disse assim que Putin ataca constantemente Lenin, alegando que o revolucionário “tentou destruir a Rússia enquanto nação”. Para apoiar essa narrativa, há uma intensa propaganda da mídia burguesa, dos oligarcas russos, e das figuras políticas e acadêmicas para que o teórico comunista seja “deixado de lado”.
“É difícil fazer uma apropriação nacionalista da imagem do Lenin. Então seu apelo na Rússia é muito pequeno. Há poucos movimentos de massa, sindicatos e intelectuais que realmente pautam sua atuação política dentro da perspectiva marxista leninista”, afirmou ele apontando que o país o vê apenas como uma “figura histórica”.
“Seria mais ou menos como o brasileiro médio de hoje vê Getúlio Vargas. Ele é uma figura histórica. Existem pessoas na militância e na atuação política que reivindicam uma figura de Getúlio? Existem, mas não tem peso político na luta de classes hoje no Brasil”, analisou.
Para o historiador, Lenin teve sua importância e protagonismo na Revolução Russa e na formação da União Soviética, mas enquanto inspiração política, de projetos práticos para o país e para a ação da classe trabalhadora russa “ele está muito embaixo”.
Manoel concluiu dizendo que tal descontinuação do pensamento leninista é natural dado a não existência de um partido revolucionário para pausar a luta da classe trabalhadora na Rússia. “É natural que o estabelecimento burguês, seja político institucional ou acadêmico, busque neutralizar qualquer magnetismo nas ideias políticas revolucionárias do grande Vladimir Ilyich Ulianov”, finalizou.