Esta reportagem faz parte da série especial de Opera Mundi com relatos de brasileiros que viveram o fim do governo Salvador Allende e início da ditadura Augusto Pinochet, episódio que completou 50 anos em 11 de setembro de 2023.
A tarde desta terça-feira (12/09) marcou um dos últimos compromissos da “agenda política” da Caravana Viva Chile, que reúne mais de 140 ex-exilados brasileiros que viveram no país andino durante o governo de Salvador Allende e também enfrentaram o golpe de Estado de 1973, que completou 50 anos neste dia 11 de setembro.
O ponto de encontro do evento foi a Praça da Constituição, em frente ao Palácio de La Moneda, na esquina onde se vislumbra uma enorme estátua de Salvador Allende.
Dezenas de ex-exilados brasileiros compareceram ao local para entregar um arranjo floral adornado por duas fitas brancas com letras douradas. Em uma delas lia-se “Viva Chile-Brasil”. A outra dizia “gratitud de los ex-exiliados brasileños” (“gratidão dos exilados brasileiros”).
O encontro foi marcado novamente pela emoção, não só pelas lembranças sobre os anos vividos no Chile durante o governo de Allende como também pelas histórias em comum entre muitos que eram jovens naquela época, e que guardam na memória a experiência de viver em um país que tentava construir seu próprio processo de transição ao socialismo.
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Iedo Fontes foi um dos que se emocionou em frente à estátua do histórico líder chileno, responsável pelo projeto da Unidade Popular, que reunia o Partido Socialista e o Partido Comunista do país andino.
“Eu conheci o Allende pessoalmente. Eu estive com ele duas vezes e em uma delas cheguei a apertar sua mão e dizer: ‘companheiro, eu estou aqui disposto a lutar pelo seu governo’, e ele me deu um abraço. Quando ele visitava uma fábrica, costumava cumprimentar os operários um por um. Era impressionante a ligação dele com os trabalhadores chilenos”, recorda.
O jornalista Luiz Antônio Carvalho também falou sobre a lição que Allende deixou para toda a América Latina. “Allende foi um dos nossos grandes heróis. Um sujeito que resiste a um golpe como ele resistiu, como o Getúlio (Vargas), que inclusive conseguiu impedir o golpe, ao dar um tiro em seu coração. O Allende não conseguiu impedir o golpe, foi assassinado, mas a imagem dele de capacete, a atitude de convocar os colaboradores, mobilizá-los às 6h para defender o palácio, tudo isso nos mostra essa dignidade que ele manteve até o último momento”, ressaltou.
Victor Farinelli
Integrante da Caravana Viva Chile ajeita faixa no arranjo floral dedicado a Salvador Allende
“Allende foi um dos maiores heróis da luta pela democracia e pela soberania na América Latina, e a soberania é algo que devemos destacar, já que histórias como as que aconteceram no Chile em 1973, e que aconteceram no Brasil um pouco antes, tiveram o envolvimento direto do governo norte-americano, algo que sempre se soube mas que hoje nós temos até documentos oficiais provando isso”, acrescentou o jornalista, que é pai da economista Laura Carvalho.
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Dois gols de placa
O sociólogo Ricardo de Azevedo, que faz parte do comitê organizador da Caravana Viva Chile, realizou um balanço da caravana, após quatro dias de agenda em comum.
“No que diz respeito à agenda política da caravana, foi um sucesso total. Conseguimos realizar todas as atividades com toda a tranquilidade, não tivemos nenhum tipo de incidente. Foi tudo muito bonito, muito emocionante, acredito que cada um viveu a experiência que esperava encontrar aqui e isso a gente percebe vendo como as pessoas estão todas felizes. Algumas lágrimas, porque não poderia ser diferente, mas são lágrimas de alegria. Tudo aconteceu como nós planejamos”, ressaltou.
Ricardo também lembrou do evento realizado pela manhã, com a inauguração de duas placas em homenagem aos brasileiros mortos durante a ditadura de Pinochet (1973-1990), uma em espanhol, que foi instalada na Praça Brasil, no Centro de Santiago, e outra em português, que será colocada no edifício sede da Embaixada do Brasil no Chile.
Ambas as homenagens foram propostas pela Caravana Viva Chile e aceitas tanto pela Prefeitura de Santiago quanto pela representação diplomática do Brasil no país andino.
“Hoje, nós podemos dizer que encerramos essa nossa jornada aqui no Chile com dois gols de placa”, brincou o sociólogo.