Durante muito tempo, futebol foi sim coisa de comunista, especialmente na Europa. Entre 1950 e 1990, a União Soviética e os países do bloco socialista do leste europeu, que conformavam a chamada Cortina de Ferro, encantaram o mundo com times inesquecíveis e craques que fizeram história.
Equipes como a Hungria de Puskas, a União Soviética de Yashin, a Tchecoslováquia de Masopust, a Polônia de Lato, a Iugoslávia de Jerkovic e a Alemanha Oriental de Streich realizaram quatro décadas de grandes exibições e colecionaram títulos em torneios, como a Eurocopa e os Jogos Olímpicos.
Nas Copas do Mundo, esses países e suas estrelas também brilharam, porém, sem conquistar o título, apesar de terem marcado presença em algumas finais e partidas importantes da história do torneio.
Neste especial, você conhecerá mais sobre o futebol nos países do bloco socialista do leste europeu, com foco especial para suas atuações na história das Copas do Mundo.
União Soviética
Os mais jovens, que nasceram com o Brasil entre os países com o melhor futebol do mundo, talvez suponham que a seleção canarinho sempre chegou como favorita em Copas do Mundo, desde sua primeira conquista, na Suécia, em 1958.
Mas a crônica esportiva da época dizia que a favorita naquele ano era uma seleção de bandeira vermelha: a União Soviética.
Eram tempos de Guerra Fria e os soviéticos eram temidos por aquilo que os europeus chamavam de “futebol científico”, uma equipe que tinha, supostamente, o melhor treinamento e o melhor preparo físico que qualquer outra seleção do mundo na época.
Como a Hungria de 1954, a União Soviética chegava àquela Copa com uma fama lastreada em sua medalha de ouro olímpica dois anos antes, nos Jogos de Melbourne, em 1956.
Porém, esse favoritismo começou a ruir quando enfrentou o Brasil, no último jogo da fase de grupos, e perdeu por 2×0. Apesar do autor dos gols ter sido o exímio artilheiro Vavá, os destaques daquela partida foram dois jogadores que estreavam em Copas do Mundo, e começavam a escrever seus nomes na história do futebol: Pelé e Garrincha.
Naquela tarde, foi especialmente Garrincha que brilhou, com dribles desconcertantes que jogaram por terra o melhor preparo físico dos soviéticos.
A União Soviética seria eliminada nas quartas de final, perdendo para a anfitriã Suécia, mas brilharia oito anos depois, na Copa da Inglaterra, em 1966, graças a um goleiro que já havia jogado em 1958, mas que, naquele torneio, se estabeleceria como o melhor do mundo na posição: Lev Yashin, o Aranha Negra.
Seu estilo arrojado de pular nas bolas quando elas ainda estavam nos pés dos atacantes foi considerado revolucionário na época. No entanto, o apelido seria fruto de seu tradicional uniforme negro com as letras CCCP e sua boina também negra, que usava em algumas partidas.
A lenda de Yashin fez com que seu nome batizasse um troféu, que é entregue pela revista France Football a quem é escolhido como o melhor goleiro de cada temporada.
A União Soviética não voltaria a ter outra participação destacada em Copas do Mundo, mas ganhou outros títulos: o país disputou três finais de Eurocopa, sendo campeã em 1960, vencendo a Iugoslávia, e ficou com o vice-campeonato em 1972 e em 1988.
Também foi em 1988 que a URSS teve sua última conquista futebolística, ao repetir o ouro olímpico em Seul, quando venceu o Brasil por 2×1 – derrotando um time repleto de futuros campeões do mundo, como Romário, Bebeto, Mazinho, Jorginho e Ricardo Gomes, além de craques conhecidos como Valdo, Neto e Careca.
Após a dissolução do país, apenas quatro ex-repúblicas soviéticas chegaram a se classificar para torneios relevantes: a Rússia disputou seis vezes a Eurocopa e quatro vezes a Copa do Mundo; a Ucrânia disputou três vezes a Eurocopa e apenas uma vez a Copa do Mundo; e a Letônia, que disputou a Eurocopa de 2004.
Além disso, a seleção do Uzbequistão se estabeleceu como uma das forças medianas do futebol asiático, apesar de jamais ter superado as Eliminatórias nesse continente. Teve uma boa performance na Copa Asiática de Nações de 2011, que foi disputada justamente no Catar. Os uzbeques chegaram à semifinal, onde foram eliminados pela Austrália, e depois perderam a disputa do bronze para a Coreia do Sul.
Alemanha Oriental
Até a queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989, a Alemanha, não unificada, era representada por duas seleções diferentes: da Ocidental, ou República Federal da Alemanha (RFA), e a Oriental, ou República Democrática Alemã (RDA).
Em pouco mais de 40 anos de existência como país, a RDA disputou a Copa do Mundo apenas uma vez, em 1974. Nessa edição, enfrentou a Alemanha Ocidental, anfitriã daquele torneio, em uma partida histórica em Hamburgo, na última rodada da fase de grupos.
O confronto entre os lados valia a liderança do grupo e estava carregado de expectativas políticas e ideológicas. Para a surpresa dos espectadores, Jürgen Sparwasser marcou, aos 22 minutos do segundo tempo, o gol que garantiria a vitória dos comunistas, e que lhe daria o título de um dos jogadores mais lembrados do lado oriental.
Após vencer a última rodada da fase de grupos por 1×0 e se classificar em primeiro do grupo, o país teve que enfrentar as seleções dos Países Baixos, da Argentina e do Brasil, enquanto os adversários ocidentais jogaram contra Polônia, Suécia e Iugoslávia.
A RDA perderia, ficando à frente apenas dos argentinos, enquanto a RFA terminou ganhando aquela Copa em sua casa.
Além de Sparwasser, haveria outra estrela do time que integraria a seleção da Alemanha Oriental na Copa de 1974: Joachim Streich, apelidado de “Achim”, o centroavante que encerrou sua carreira como recordista em gols e jogos por sua seleção.
Streich, nas classificatórias, fez quatro gols nas duas vitórias contra a Finlândia, além de outros três gols contra a Albânia. Após vencer cinco de seis partidas, fecharam a chave um ponto à frente da Romênia e, por seu esforço, foram para a frente, garantindo a ida até Hamburgo.
A seleção do país teve seu maior sucesso sob o comando do técnico Georg Buschner, entre 1970 e 1981.
Além da única classificação dos comunistas alemães para a Copa do Mundo em sua história, a nação conquistou uma medalha de ouro olímpica nos Jogos de Montreal, em 1976, e dividiu a medalha de bronze com os soviéticos em Munique, em 1972 – feitos que nem a República Federal da Alemanha, nem a Alemanha unificada, conseguiram replicar.
Embora a nação não tenha conseguido se classificar, também deu trabalho para seus adversários nas Eliminatórias da Copa do Mundo de 1978 e das Eurocopas de 1972 e 1976. Buschner deixeu o cargo após as Eliminatórias para a Copa de 1982, já que a seleção perdeu dois jogos para a Polônia.
Hungria
Grosics, Buzanszky, Lorant e Lantos; Bozsik, Zakarias e Budai; Kocsis, Hidegkuti, Puskas e Czibor. Para alguns estudiosos do futebol, este time da Hungria, comandado pelo técnico Gusztav Sebes, foi a melhor esquadra futebolística durante a primeira década após a Segunda Guerra Mundial.
A Hungria do anos 50 era o paradigma europeu de futebol bonito e ofensivo, especialmente após as exuberantes partidas nos Jogos Olímpicos de Helsinque, em 1952, quando conquistaram a medalha de ouro em uma campanha na qual venceram a Itália, a Turquia, a Suécia e a Iugoslávia, na final.
O Brasil sentiria o poder dos magos magiares dois anos depois, na Copa do Mundo da Suíça, em 1954, ao ser eliminado nas quartas de final após uma derrota por 4×2.
Porém, aquele Mundial também marcaria a grande decepção do futebol húngaro, que chegou no torneio com pinta de favorita e disputou a final contra uma Alemanha Ocidental que já havia sido sua vítima na fase de grupos, quando venceram por 8×3.
Na decisão, porém, a Hungria chegou a estar vencendo por 2×0, mas permitiu a virada alemã, em uma das maiores zebras da história das Copas do Mundo.
O atacante Ferenc Puskas é até hoje o símbolo do futebol húngaro, e um dos maiores craques da história do futebol mundial. Com seu talento e jogadas famosas, a Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) batizou com o seu nome o troféu que entrega todos os anos para o gol mais bonito da temporada.
Mas seria injusto ignorar que toda aquela geração húngara era formada por craques, especialmente os atacantes, como Sandor Kocsis, Nandor Hidegkuti e Zoltan Czibor, todos eles, assim como Puskas, com passagens por grandes times do futebol europeu.
Essa geração, que ainda conquistaria mais duas medalhas de ouro olímpicas em Tóquio, 1964, e Cidade do México, 1968, não teria uma renovação a altura. Com o passar dos anos, a imagem da Hungria como referência do futebol ficou resguardada àquele time de meados do século passado.
Paola Orlovas
Craques de seleções de países socialistas: Lubański (Polônia), Streich (RDA), Yashin (URSS), Puskas (Hungria) e Masopust (Tchecoslováquia)
Em Copas do Mundo, a Hungria nunca mais fez uma campanha relevante depois da final na Suíça. As melhores performances foram nas edições do Chile, em 1962, ficando em quinto lugar, e Inglaterra, no ano de 1966, com a sexta posição.
No ano de 1982 realizou sua última façanha, na Copa da Espanha, ao vencer a seleção de El Salvador por 10×1 – a que, até hoje, é a maior goleada da história dos mundiais de futebol.
Após quatro anos, na Copa do México, a Hungria participou do torneio pela última vez. Isso significa que depois do fim do regime socialista, em 1989, o país jamais voltou a disputar um mundial.
Iugoslávia
Durante os anos da Guerra Fria, a Iugoslávia era a segunda maior potência esportiva do bloco socialista, perdendo apenas para a União Soviética. Seus atletas se destacavam em diversas disciplinas, inclusive individuais, mas principalmente nas coletivas, com equipes de vôlei, basquete e handebol. Obviamente, o futebol também fazia parte desse extenso repertório.
Nos anos 50 e 60, o futebol iugoslavo era um dos mais competitivos do mundo. Chegou a disputar três finais olímpicas seguidas: Helsinque, em 1952, Melbourne, na edição de 1956, e Roma, em 1960, embora tenha vencido apenas essa última: 3×1 sobre a Dinamarca.
Também disputou duas finais da Eurocopa, na época em que o torneio se chamava Copa da Europa de Nações. Foram dois vice-campeonatos, perdendo para a União Soviética, em 1960, e para a anfitriã Itália, 1968.
Porém, na história das Copas do Mundo, o máximo que a Iugoslávia conseguiu foi uma semifinal, no Chile, em 1962. Naquele torneio, os iugoslavos perderam a vaga para outro país comunista: a Tchecoslováquia, por 3×1. Ainda assim, ficaram com um prêmio: a artilharia da competição, com o atacante Drazan Jerkovic.
Outro time balcânico que encantou foi a da Copa de 1990, na Itália. Foi o último mundial em que a Iugoslávia jogou com jogadores bósnios, croatas e eslovenos, chegando até as quartas de final, em que jogou melhor que a Argentina de Diego Maradona, mas acabou sendo eliminada nos pênaltis depois de um empate.
A dissolução gradual do país fez com que ainda tivéssemos a seleção da Iugoslávia jogando mais uma Copa nos anos 90: a da França, em 1998, com uma equipe formada apenas por sérvios e montenegrinos, que caminhou até as oitavas de final, perdendo para os Países Baixos por 2×1.
Neste século XXI houve uma “quase aparição” da Iugoslávia, já que o país disputou as Eliminatórias da Copa da Alemanha de 2006 com esse nome e conseguiu sua classificação. Porém, com a separação política já acertada, a equipe disputou o mundial com o nome de Sérvia e Montenegro, acabando sendo eliminada ainda na fase de grupos, com derrotas para Argentina, Países Baixos e Costa do Marfim.
Polônia
A República Popular da Polônia, estabelecida em 1944 e dissolvida em 1989, foi responsável por dois dos três melhores resultados do país em Copas do Mundo, tendo ficado em terceiro lugar no mundial duas vezes: em 1974 e 1982.
Além disso, a seleção da República Popular também conquistou a medalha de ouro nas Olimpíadas de 1972, em Munique, e prata em Montreal, quatro anos após.
Em 1974, a Polônia comunista disputou a sua primeira Copa do Mundo, após vencer a Inglaterra nas Eliminatórias, com escalação similar àquela que lhe rendeu a medalha de ouro apenas dois anos antes.
Disputando o mundial pela primeira vez após três décadas sem classificações, a equipe composta por Antoni Szymanowski, Zygmunt Anczok, Lesław Ćmikiewicz, Henryk Kasperczak e Ryszard Szymczak, e comandada por Kazimierz Górski, entrou para a história do futebol polonês.
Ao cair no que foi apelidado de “grupo da morte”, os poloneses tiveram que batalhar para conseguir uma vitória por 3×2 na estreia contra os argentinos. Grzegorz Lato abriu o placar aos sete minutos de jogo, e Andrzej Szarmach ampliou um minuto depois.
Lato marcaria mais um gol, após a Argentina pontuar no segundo tempo.
A seleção polonesa venceria o Haiti por 7×0, com três gols de Szarmach, dois de Lato, um de Deyna e outro de Gorgoń. Também derrotaram a Itália, um dos favoritos, por 2×1, com mais gols de Szarmach e Deyna.
Na segunda fase, enfrentaram a Suécia, vice-campeã de 1958, a também socialista Iugoslávia, e os anfitriões da Alemanha Ocidental, que seriam os vencedores daquela edição. Os poloneses venceram os suecos e a Iugoslávia.
A sorte do país acabaria, no entanto, em um jogo contra a RFA, marcado, especialmente, pela chuva. A Alemanha Ocidental levaria a partida, e com ela, a possibilidade de um título polonês, marcando 1×0. A Polônia ainda teria duas últimas alegrias no torneio, ao vencer o Brasil na disputa pelo 3º lugar, após mais um gol de Lato, que se consagraria como artilheiro do torneio.
Esse mesmo time, nos jogos de Montreal, em 1976, conquistaria a medalha de prata, após ser derrotada por 3×1 pela Alemanha Oriental, em mais uma final olímpica entre países socialistas.
Depois disso, as coisas mudariam radicalmente para o futebol polonês. Górski, que comandou o time de 1970 até 1976, deixaria o posto de técnico e a equipe perderia o brilho que havia demonstrado.
Em 1978, na Copa do Mundo sediada pela Argentina, o time polonês recebia, novamente, uma estrela: o craque Włodzimierz Lubański, que teve 65 atuações entre os anos de 1963 e 1980, quando começou a vestir a camisa polonesa com apenas 16 anos de idade.
O jogador, que já tinha 31 anos de idade, era considerado um ídolo desde as Olimpíadas de 1972, quando a Polônia conquistou o ouro, mas não conseguiu disputar a Copa de 1974, devido a uma fratura no pé.
Mas Lubański não seria o suficiente: a equipe ficaria em quinto lugar, e o time polonês se despediria da maioria de suas outras estrelas, fazendo com que restassem, do time de 1974, apenas Lato, Szarmach e Władysław Żmuda, que disputariam o campeonato em 1982.
Em 1986, a Polônia disputava sua quarta Copa consecutiva e terminou esta edição em terceiro lugar, após empatarem com o Marrocos, vencerem Portugal e perderem para a Inglaterra. Terminou sendo eliminada pelo Brasil nas oitavas.
Tchecoslováquia
Existindo até 1993, a seleção da Tchecoslováquia teve grandes momentos em duas Copas do Mundo: uma ainda sob o domínio nazista, em 1934, e outra em 1962, no Chile. Em ambas edições, a equipe foi vice-campeã, e na segunda oportunidade perdeu o título para o Brasil de Garrincha, que se tornou bicampeão.
A Tchecoslováquia também conquistou uma medalha de ouro nas Olimpíadas de 1980, em Moscou, com um gol de Svoboda na final contra a Alemanha Oriental.
Durante o campeonato realizado no Chile, o time tchecoeslovaco integrou o grupo 3 e cresceu ao longo da competição, sendo responsável pela eliminação da Hungria.
A seleção também venceu a Iugoslávia na semifinal, em um jogo com o menor público daquela edição do mundial, com apenas 5.890 espectadores – o Brasil enfrentava o Chile no mesmo horário, em partida que reuniu cerca de 80 mil pessoas.
Apesar de ser a favorita na disputa, após conquistar o ouro nas Olimpíadas de Roma, em 1960, a seleção iugoslava não obteve tanto sucesso, conseguindo emplacar apenas um gol, de Dražan Jerković. Os tchecoslovacos pontuaram três gols: dois de Scherer e um do atacante tcheco Josef Kadraba.
Nas finais, o time enfrentou o Brasil, com quem já havia jogado antes dentro do campeonato, em uma disputa que terminou em 0x0. Josef Masopust foi responsável por abrir o placar, mas logo a seleção brasileira viraria, marcando três gols, com Amarildo, Zito e Vavá.
Após chegar perto da conquista da taça em 1962, a Tchecoslováquia se ausentaria da Copa do Mundo seguinte, voltando apenas em 1970, mas sendo eliminada ainda na primeira fase.
Voltou a ficar de fora do mundial em 1974 e só disputaria o torneio novamente em 1982 e 1990.
Quando a Tchecoslováquia se separou, no início de 1993, as eliminatórias para a Copa do Mundo de 1994 já estavam em andamento. A seleção optou por se tornar a equipe Tcheca e Eslovaca, o que não durou muito tempo, uma vez que não se classificou para o mundial. Foi a primeira e última vez que os países, já independentes, seriam representados por apenas um time.