O escritor Ítalo Calvino, considerado o “discípulo espiritual” do autor argentino Jorge Luis Borges de Aleph, O Livro dos Seres Imaginários e outros, morre de hemorragia cerebral em Siena, Itália, em 19 de setembro de 1985, consagrado como um dos grandes autores de seu tempo. Assim como seu mestre, foi um artesão das ilusões, incluindo a da originalidade. Deixou um legado que está além da delicadeza que marca suas obras.
Fez uma literatura que mostra ao leitor a maneira como foi feita, e sua natureza mágica, lúdica. A obra de Calvino não esconde os truques utilizados pelo autor. É uma literatura sincera, delicada e extremamente ágil, visto que foi, apesar das muitas mudanças na carreira e nas escolhas literárias, um humanista, mantendo sempre uma postura ética e generosa.
Calvino nasceu em 15 de outubro de 1923 em Santiago de Las Vegas, Cuba, onde seus pais, cientistas italianos, estavam de passagem.
Viveu a infância em San Remo e, em 1941, matriculou-se na Faculdade de Agronomia de Turim. Atraído pela resistência Italiana contra os nazistas, abandonou os estudos e, inspirado na luta dos “partiggiani“ publica em 1947 seu primeiro livro, O Caminho para os Ninhos de Aranha.
Na mesma linha surge o seu segundo livro, Por fim Vem o Corvo. São livros nos quais o pensamento da Resistência Italiana aparece em quase todas as páginas, com a narração de histórias que Calvino colheu durante sua participação nos conflitos. A forte influência do neo-realismo nos primeiros textos de Calvino se deve à predominância do movimento na Itália e à grande presença de autores como Cesare Pavese e Elio Vittotini.
Terminada a guerra, muda-se para Turim. Conclui o doutorado em Letras com tese sobre Joseph Conrad. Trabalha para o jornal “L'Unitá” do Partido Comunista Italiano e para a editora Eunadi.
O reconhecimento internacional começou a partir de 1950 com a trilogia O Visconde Partido ao Meio (1952), O Barão nas Árvores (1957) e o Cavaleiro Inexistente (1959). Estes livros podem ser compreendidos dentro de uma tendência reformística e fantástico-iluminista.
Em Visconde Partido ao Meio, conta-se a história de um homem que acaba se dividindo em dois: um totalmente bom, outro totalmente mau; em Cavaleiro Inexistente, narra-se a história de uma cavaleiro que não existe, em seu lugar há apenas uma armadura que se diz cavaleiro; em O Barão nas Árvores, o protagonista Cosimo de Rondò, depois de se revoltar com a obrigação de tomar uma sopa de escargots, passa a viver suspenso nos ramos das árvores, no meio do caminho entre o céu e a terra, em ótima posição de ver e julgar.
Paola Orlovas
Calvino nasceu em 15 de outubro de 1923 em Santiago de Las Vegas, Cuba, onde seus pais, cientistas italianos, estavam de passagem
Desliga-se do partido em 1956. No mesmo ano publica seu primeiro trabalho de literatura infantil, Quem Ficar Zangado Primeiro Perde. Neste livro o escritor também transforma a realidade em fábula. O (bom) humor é o objeto mágico central, que substitui as soluções tradicionais dos contos de fada, como árvores ou animais encantados. O duplo sentido do título sugere a ironia maior de Calvino, que usa a estrutura dos contos maravilhosos para entreter as crianças.
Em entrevista, Calvino declarou, certa vez, que escrever um texto “é um ato que deve obedecer a certas regras ou transgredi-las deliberadamente”. Para ele, o aspecto lúdico e o humor são metodologicamente necessários, pois colocam tudo em discussão, até o que se acabou de dizer.
De 1959 a 1966 edita ao lado de Elio Vittorini a revista de esquerda Il Menabò di Letteratura, que produziu uma sequência de importantes debates sobre o papel dos intelectuais frente à crise das ideologias e sobre o problema específico da profissão de escritor.
Sua consagração definitiva acontece nos anos 1970 e 1980 tendo seus livros – Cidades Invisíveis (1972) e suas 55 cidades fantásticas com nomes de mulheres – traduzidos para vários idiomas. Seguiram-se Se um Viajante numa Noite de Inverno (1979) e Palomar (1983), Seis Propostas para o Próximo Milênio – tratam-se de seis confêrencias que Calvino faria na Universidade de Harvard sobre os valores literários do milênio seguinte, não fosse sua morte – Amores Difíceis e O Castelo dos Destinos Cruzados.
Em Cidades Invisíveis, o veneziano Marco Polo conta ao conquistador Kublai Khan todas as viagens que já havia feito. O livro é um desdobrar de territórios e uma viagem pelo reino da linguagem. Mostra a qualidade de um trabalho extremamente depurado que forma, ao final, uma metrópole atemporal e superpovoada de sentidos. Mostra também um império sem fim e sem forma, um domínio que se destrói e se reconstrói. São lugares que abrem, se bifurcam e nunca são iguais.
Se um Viajante numa Noite de Inverno é um dos mais elogiados romances de Calvino. Uma obra de ficção que empreende uma reflexão sobre a linguagem do romance, rastreando e ironizando as múltiplas direções da narrativa contemporânea. Em Palomar, afirma que “tudo aquilo que os modelos procuram modelar é sempre um sistema de poder. Mas, se a eficácia do sistema se mede pela sua invulnerabilidade e capacidade de durar, o modelo se torna uma espécie de fortaleza cujas muralhas espessas ocultam aquilo que está fora”.
Também nesta data:
1851 – Flaubert conclui o romance “Madame Bovary”
1881 – Morre James Abram Garfield, segundo presidente dos EUA a ser assassinado
1943 – Golpe militar tira Perón da presidência da Argentina
1959 – Por razões de segurança, visita de Nikita Krushchev à Disneylândia é cancelada
(*) A série Hoje na História foi concebida e escrita pelo advogado e jornalista Max Altman, falecido em 2016.