A crise mundial foi o denominador comum entre as discussões do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, e do Fórum Social Mundial, desta vez realizado em Belém, no Pará. Enquanto em Davos a crise assumiu o papel de deprimir a elite econômica que há anos entoava as virtudes da globalização, em Belém ela ganhou um ar bem mais esperançoso diante da possibilidade de as temáticas sociais voltarem a ganhar peso político com esse processo de reestruturação pelo qual o mundo vai passar.
Parece começar a ficar claro – para ambos os lados – que haverá um ajuste no modelo imposto pelos fluxos globais no qual o poder econômico quase sempre se sobrepunha ao poder político e às ordens locais da maioria dos países. Daí o pessimismo em Davos perante a necessidade de aceitar que os governos deverão ter pulso firme à frente de um mercado que não será mais tão livre quanto se praticava ou almejava. Ponto para o discurso esquerdista que ecoou em Belém, ainda que seus profetas não tivessem certeza se eles fariam eco ou não.
Foi a partir dessas questões que em Davos se pensou em uma solução que possibilitasse a continuidade da vigência deste sistema capitalista no qual estamos inseridos hoje em qualquer parte do mundo. Para redesenhar o modelo financeiro, foram desenvolvidos alguns pré-requisitos para essa nova regulamentação. Dentre eles, está a condição de que nada pode ficar fora do sistema regulatório, de que os riscos das operações precisam estar claramente definidos e deve haver transparência para que os governos possam fiscalizar.
“É um passo importante, um passo forte, que visa que os mercados funcionem melhor. Funcionem de maneira mais regulada, mas continuem funcionando melhor. Não se pretende substituir o mercado, mas sim fazer com que o mercado funcione bem”, disse o presidente do Banco Central Henrique Meirelles, em entrevista ao telejornal Bom Dia Brasil.
“Sabemos, por experiência, que tempos duros na economia criam um desejo por protecionismo. Mas, se você começa erguendo obstáculos ao comércio, seu vizinho vai fazer isso, e o vizinho do seu vizinho vai fazer isso, e no fim o crescimento vai sofrer ainda mais. Então, a primeira coisa nesse tipo de situação é: por favor, não piorem as coisas”, afirmou o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, durante sua conferência.
Todo esse discurso caiu de bandeja no Fórum Social Mundial, evento destinado aos movimentos da sociedade civil contrários ao neoliberalismo e a qualquer forma de imperialismo. Assim, ainda que não se entendessem quanto aos processos que levarão à superação desta fase neoliberal do capitalismo – uns defendiam o desenvolvimento regulado pela ação estatal e outros, a ruptura socialista –, havia em Belém a certeza de que as ações de curto prazo para administrar a crise precisam ter o Estado como protagonista. Só deste modo, segundo eles, será possível conter a temível onda de desemprego que vem por aí e as outras consequências sociais da crise financeira.
Segundo Frei Betto, ao almejarem “o outro mundo possível”, os participantes se empenharam em conquistar uma globalização solidária que respeite os direitos humanos universais e o meio ambiente, apoiada em sistemas e instituições democráticas a serviço da justiça social, da igualdade e da soberania dos povos. Ao que o dirigente da Liga Comunista Revolucionária da França, François Sabado, que viu no Fórum Social a primeira manifestação popular global contra a crise, completou: “Esta é a primeira crise profunda do capitalismo globalizado. Não tem por origem problemas nas finanças, mas na esfera produtiva, na essência do capitalismo global. É uma crise de civilização”.
Nesta toada, o sociólogo Michael Löwy ainda destacou que o capitalismo, tal como vem sendo praticado, conduz a humanidade a uma catástrofe ecológica. “Não vamos esperar que essa crise acabe com o capitalismo. Walter Benjamim, que é um pensador que eu respeito muito, dizia que o capitalismo nunca vai morrer de morte natural. Por mais que ele tenha crises, sempre dá a volta por cima. A não ser que a gente dê cabo dele. A solução não é uma versão mais verde, mais civilizada, mais ética e regulada do modo de produção capitalista. Nós temos que pensar em uma alternativa revolucionária”, discorreu Löwy.
Essa “alternativa revolucionária” não foi cogitada em Davos, claro, mas tampouco em Belém. Faltou aos manifestantes presentes ao Fórum a clareza de que, por mais que seus discursos agora se mostrem fortalecidos, eles foram construídos a partir da visão de um mundo que já não é mais o mesmo e, por isso, precisam ser atualizados para continuarem a buscar eco em Davos por meio de suas manifestações.
* Cláudia Bredarioli é jornalista, mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pela ESPM, doutoranda pela ECA-USP e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie no curso de Jornalismo
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