No último final de semana, dias 15 e 16 de novembro, ocorreu a nona reunião de cúpula do G20. O fórum econômico reúne as 20 maiores economias do planeta e o encontro reuniu líderes de governo e da União Europeia, além de seis países convidados. O propósito do G20 é o de ser um fórum multilateral para a governança econômica em escala global, entretanto, a força de seus encontros recentes têm sido a de reunir diferentes líderes que dialogam paralelemente. O G20, simultaneamente, se fortalece, pois se torna uma oportunidade de reunir, em espírito de diálogo, diversos líderes; e também se enfraquece, pois esvazia seu caráter multilateral, parecendo uma coletânea de encontros bilaterais.
Ainda mais curioso é que essa sensação seja transmitida após uma das cúpulas mais ambiciosas do G20. O resultado foi um comunicado com metas sobre diminuição do desemprego, recuperação do crescimento econômico e fortalecimento da governança global. Também produziu doze relatórios e planos de ação, incluindo segurança alimentar, eficiência energética, combate à corrupção e, principalmente, o Plano de Ação de Brisbane, cidade que sediou a cúpula. O plano, cujo subtítulo é “Um diagrama para o crescimento”, estabelece metas de crescimento econômico, investimentos em economias emergentes, diminuição da discriminação de gênero no mercado de trabalho, todos os elementos coordenados em parcerias com instituições internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho.
Agência Efe
Acordos entre China e Austrália foram um dos fatos que se sobrepuseram às resoluções do G20
Esbarra-se então no primeiro problema das metas ambiciosas do G20. Elas não dependem apenas desse grupo, nem para sua regulação nem para sua execução. Diversos objetivos ali estipulados ou pretendidos precisariam passar por instituições das Nações Unidas. Isso é muitas vezes citado nos documentos. Por exemplo, no item 15 do comunicado geral, afirma-se que o G20 deve ter papel de vanguarda no enfrentamento dos desafios econômicos e que as instituições econômicas globais precisam ser efetivas e representativas. Ao final do parágrafo, afirma-se que “urge” a ratificação, por parte dos Estados Unidos, das reformas de 2010 do Fundo Monetário Internacional. Em outras palavras, um documento final produzido em uma cúpula com a participação de Barack Obama faz um pedido ao governo dos EUA, quase um contrassenso.
Obviamente, o papel de liderança tomado pelo grupo é importante, para estabelecer metas comuns e influenciar o restante da comunidade internacional. O problema é quando muito do produzido ali se reduz apenas às declarações de princípios ou intenções. Temos então o segundo problema: em termos de ações concretas, os encontros bilaterais que ocorrem paralelamente eclipsam a reunião multilateral. Inclusive em temas que extrapolam os propósitos de governança econômica do grupo. Certamente boa parte das manchetes da imprensa internacional na última semana tratava do presidente russo, Vladimir Putin, e as questões de segurança envolvendo a Ucrânia.
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Iniciou-se com a possibilidade de suspensão da Rússia do G20. Depois, especulou-se que governo australiano poderia barrar a entrada de Putin no país. Após o anúncio de que Putin compareceria ao encontro, ocorreram episódios delicados como a presença sem aviso de navios de guerra russos e um incidente com o primeiro-ministro do Canadá, que cumprimentou Putin com a seguinte frase: “só tenho uma coisa para lhe dizer: você precisa sair da Ucrânia”. Encerrando sua passagem pela Austrália, Putin teve um encontro bilateral de três horas com a chanceler alemã, Angela Merkel. Desde o início do ano, Merkel é a principal interlocutora entre o Ocidente e a Rússia, mas mesmo essa relação está com atritos.
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No caso da presidenta Dilma Rousseff, sua agenda também foi muito mais preenchida com reuniões bilaterais, além do encontro paralelo com os BRICS, que sempre ocorre durante o G20. Na cúpula do G20 do ano passado, em São Petersburgo, foi anunciado o Novo Banco de Desenvolvimento. Na cúpula de Brisbane, os BRICS anunciaram o cronograma de sua execução, incluindo a divulgação dos ocupantes de seus cargos principais até a próxima cúpula do grupo. Dilma teve encontros privados com Putin, Obama, Merkel, o premiê chinês, Xi Jinping, e o primeiro-ministro da Turquia, Ahmet Davutoglu, que será anfitrião da próxima cúpula do G20.
Do encontro com Obama saíram algumas das principais notícias do G20 na mídia brasileira. Dilma e Obama teriam iniciado uma reaproximação e determinado um grupo de trabalho para a realização de uma visita de Estado de Dilma aos EUA já em 2015. Desde as denúncias de espionagem, ainda em 2013, as relações entre os dois líderes esfriaram. E mesmo em sua entrevista coletiva no G20, Dilma Rousseff foi mais perguntada sobre as investigações na Petrobrás, um assunto doméstico, do que sobre temas da cúpula.
Finalmente, mesmo no tema de competência do fórum, a economia, as relações bilaterais acabaram se destacando mais. Merkel e a União Europeia aproximaram-se da Oceania, especialmente da Nova Zelândia, cujo maior parceiro comercial é a Alemanha. A anfitriã Austrália, entretanto, que assinou o principal fruto do final de semana, em conjunto com a China.
Uma semana depois da assinatura, em Pequim, de um acordo climático entre os dois maiores poluidores do mundo, EUA e China, o país asiático prevaleceu sobre seu aparente novo parceiro. China e Austrália assinaram um dos maiores acordos de livre comércio bilateral do mundo, o ChAFTA. O valor atual do comércio entre os dois países é de 130 bilhões de dólares, e esse valor deve aumentar em vinte bilhões no curto prazo. O acordo é um marco, pois pode ser a base da planejada área de livre-comércio no Pacífico; por isso, representa uma derrota para Obama. O presidente dos EUA pretendia estabelecer a Parceria Trans-Pacífica, um tratado de livre comércio envolvendo os EUA e mais doze países do Pacífico, incluindo a Austrália. O estabelecimento do livre comércio entre Austrália e China enfraquece os planos dos EUA de liderar o caminho comercial do Oceano Pacífico.
O G20 estabelece, além da sua reunião de cúpula, uma série de grupos de trabalho e de fóruns de discussão. O objetivo seria a governança global em temas econômicos, estabelecendo metas e procedimentos comuns para as principais economias. Para isso, o grupo adota metas ambiciosas, entretanto, é eclipsado pelos aspectos políticos de sua reunião de cúpula. Em uma grande reunião de líderes mundiais, cada um aproveita a ocasião para realizar sua agenda particular, esvaziando o caráter multilateral do grupo. Em 2010, o então presidente da França, Nicolas Sarkozy, propôs a institucionalização do grupo, o estabelecimento de um secretariado permanente. Talvez seja hora de revisitar essa ideia e fortalecer a ideia de um grupo de vinte nações, não apenas vinte líderes agrupados.
(*) Filipe Figueiredo é redator do Xadrez Verbal