No pior contexto político possível, onde muitos artistas foram presos e exilados, aconteceu a X edição da Bienal de São Paulo, no Brasil.
Se em dezembro de 1968 a censura e repressão ficaram mais violentas com a introdução do Ato Institucional número 5 (AI-5) pelo então general Arthur da Costa e Silva, em 1969 a situação se agravou com a criação da Operação Bandeirantes (Oban), um centro de informações e investigações que se tornou um antro de arbitrariedades e torturas contra opositores políticos.
Diante desse quadro, artistas brasileiros e estrangeiros começaram um movimento de sabotagem ao evento que ocorreria em São Paulo. A ação tomou rumos gigantescos com a publicação na França do manifesto “Boicote à Bienal”.
A notícia logo chegou aos corredores da política italiana que decidiu sondar os países vizinhos para entender como se comportar diante da situação.
Era 28 de junho de 1969 e o relógio marcava 14h30 de uma tarde de sábado em pleno verão romano quando o então secretário do Ministério das Relações Exteriores da Itália Luigi Valdettaro enviou um telegrama às embaixadas italianas na Alemanha, França e Inglaterra pedindo esclarecimentos quanto à participação destes países na X Bienal de São Paulo, marcada para setembro daquele ano.
No documento, Valdettaro dizia que a direção da Bienal de Veneza, ente responsável pela participação italiana na mostra brasileira, havia procurado a chancelaria, em via confidencial, para informar sobre os rumores de um possível boicote de alguns países ao evento.
O documento, inédito e exclusivo, foi encontrado pela reportagem de Opera Mundi no Arquivo Histórico Diplomático do Ministério do Exterior da Itália, a Farnesina, e faz parte de uma troca de correspondências entre a diplomacia italiana e o próprio governo.
Paris foi a primeira a responder. Em telegrama enviado dia 30 de junho, o então embaixador Francesco Malfati informou que, entre os artistas franceses convidados, existia uma forte tendência contrária a participar da mostra porque poderia ser interpretado como apoio ao regime antidemocrático da junta militar.
Oito dias mais tarde, Malfati escreveu novamente à Farnesina informando que o país não participaria do evento “em sinal de solidariedade com os artistas e intelectuais brasileiros”.
Arquivo Público Farnesina
Em pleno AI-5, artistas brasileiros e estrangeiros começaram um movimento de sabotagem ao evento que ocorreria em São Paulo
Mario Luciolli, na época embaixador na Alemanha, confirmou à Farnesina, em 2 de julho, participação na mostra, mas confirmou que a Suécia havia retirado o país do evento brasileiro. Já o diplomata Raimondi Manzini, que ficava em Londres, informou que os britânicos estaria presente, mas dada a relutância generalizada dos artistas ingleses em participar do evento, era provável que a participação da Inglaterra fosse muito mais limitada do que o esperado.
Diante das respostas, em 3 de julho, o gabinete de assuntos políticos do Ministério das Relações Exteriores da Itália enviou uma minuta à direção geral das relações culturais – órgão da mesma pasta – solicitando informações, mesmo que presumíveis, sobre a orientação dos artistas nacionais quanto à participação oficial na mostra organizada pelo governo militar brasileiro.
Artistas italianos
No final, a Itália participou da Bienal, mas seis dos 13 artistas convidados aderiram ao boicote. Dos sete que decidiram participar, somente um está vivo: Giuliano Vangi. Escultor, o italiano participou da X edição com cinco obras.
Procurado pela reportagem de Opera Mundi, Vangi disse não se lembrar de ter participado da mostra. “Olha eu estou velho, mas realmente não me lembro dessa bienal, nem ter participado dela”, declarou.
No final, diversos artistas que haviam sido convidados pela entidade brasileira, declinaram o convite. Além de França e Holanda, outros países, como os Estados Unidos, México e Suécia, não participaram do evento.
O boicote serviu para jogar ainda mais luz nas atrocidades do regime militar, que, apesar resistência dos artistas, não foi suficientemente forte para frear a mostra. A Bienal foi inaugurada dia 27 de setembro e 54 países participaram daquela edição.
Além do boicote como forma de protesto contra a censura dos militares, assim como pela interferência do governo ditatorial nas esferas da Bienal, democráticas até então, outro ponto importante da postura em não aderir ao evento se deu pelo fato de que Costa e Silva foi homenageado por Francisco Matarazzo, então presidente da Fundação Bienal, durante o evento.