Há 45 anos, em 19 de julho de 1979, os guerrilheiros da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) tomavam Manágua, a capital da Nicarágua, e derrubavam a ditadura da família Somoza, consagrando o triunfo da Revolução Sandinista.
A Frente Sandinista de Libertação Nacional tem como patrono o revolucionário Augusto César Sandino. Em meados da década de 20, Sandino liderou o Exército popular que combateu a presença das forças militares dos Estados Unidos na Nicarágua, tornando-se um símbolo do nacionalismo nicaraguense e da resistência anti-imperialista latino-americana.
Em 1934, Sandino foi capturado e fuzilado pela Guarda Nacional, força policial comandada por Anastasio Somoza García. Pouco tempo depois, Somoza arquitetou a deposição do presidente Juan Bautista Sacasa e assumiu o governo da Nicarágua, instaurando uma ditadura.
Apoiada pelo governo dos Estados Unidos, a família Somoza se perpetuaria no comando da Nicarágua até 1979, conduzindo um regime marcado por abusos de direitos humanos, repressão aos sindicalistas, opositores e movimentos sociais e subserviência absoluta à política externa norte-americana.
Em 1961, foi fundada a Frente Sandinista de Libertação Nacional, composta a partir da junção de vários movimentos e organizações de esquerda. A iniciativa congregou diversos expoentes da esquerda nicaraguense, tendo entre seus membros fundadores nomes como Carlos Fonseca, Silvio Mayorga, Tomás Borge e Casimiro Sotelo. A princípio muito influenciada pelo movimento estudantil, a organização teve como principais centros de atividade a Universidade de Léon e a Universidade Nacional Autônoma da Nicarágua (UNAN), em Manágua.
O movimento foi gradualmente ampliado com a adesão de grupos representativos de outros setores da sociedade, ganhando caráter mais popular. No início da década de 70, a FSLN deu início às suas primeiras campanhas militares.
A débil resposta governamental ao terremoto que devastou Manágua em dezembro de 1972, matando mais de 10 mil pessoas e deixando dezenas de milhares de desabrigados, insuflou a oposição ao governo de Anastasio Somoza Debayle. Grande parte da ajuda humanitária internacional destinada às vítimas do terremoto foi desviada pela ditadura nicaraguense. A reconstrução do centro de Manágua foi negligenciada, ao passo que as principais empreiteiras contratadas para reconstrução das edificações eram ligadas à família Somoza, ampliando o controle do clã sobre a economia da capital nicaraguense.
O patrimônio pessoal do ditador era estimado em 400 milhões de dólares já em 1974. O descontentamento popular com a ditadura influiu no crescimento do apoio à FSLN, que passou a arquitetar operações mais ousadas.
Em dezembro de 1974, guerrilheiros da FSLN cercaram a casa do ministro da Agricultura da Nicarágua, durante uma festa frequentada por vários membros da cúpula do governo. O ministro foi morto durante uma troca de tiros com os combatentes. O governo cedeu às reivindicações: pagamento de dois milhões de dólares para o resgate dos reféns e publicação do comunicado oficial do grupo no jornal La Prensa. Também conseguiram negociar a anistia de 14 prisioneiros sandinistas, que foram libertados da prisão e se exilaram em Cuba — incluindo Daniel Ortega.
A ditadura dos Somoza respondeu decretando estado de sítio e restringindo os direitos civis. O governo instituiu a censura prévia e intensificou as ações de captura, tortura e assassinato dos sandinistas, matando diversos membros do grupo (incluindo Carlos Fonseca, um de seus fundadores). Somoza ordenou igualmente o aumento da repressão contra os movimentos sociais e comunidades suspeitas de colaborar com os guerrilheiros.
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A repressão brutal levou à desarticulação da FSLN e a uma grave crise interna, marcada por questionamentos à estratégia da “Guerra Popular Prolongada” (GPP) — tática centrada na primazia da guerrilha rural, apoiada de forma secundária pelo movimento universitário e por ações armadas para obtenção de fundos nos centros urbanos. Intelectuais marxistas ortodoxos, tais como Jaime Wheelock, argumentavam que o enfoque no campesinato era uma estratégia incompatível com a realidade socioeconômica da Nicarágua. Essas discussões levaram ao surgimento de diversas tendências na FSLN.
Wheelock fundou a chamada “Tendência Proletária”, que advogava a centralidade das ações nos centros urbanos. Os irmãos Humberto e Daniel Ortega e o mexicano Victor Tirado Lopez fundaram uma outra facção, denominada “Tendência Insurrecional” ou “Terceira Via”. Seus seguidores, os “terceiristas”, defendiam ações pragmáticas e o estabelecimento de alianças táticas com setores externos ao campo marxista, incluindo a oposição de direita aos Somoza.
Após realizarem algumas ações armadas bem sucedidas, encorajando o movimento armado e demonstrando a debilidade do regime, os terceiristas conseguiram ampliar sua base de apoio. Em outubro de 1977, estabeleceram uma aliança com líderes empresariais e clérigos nicaraguenses, formando o chamado “Grupo dos Doze”, sediado na Costa Rica, e criando o “Movimento do Povo Unido” (MPU), que tinha por objetivo coordenar greves e manifestações de organizações trabalhistas e estudantis.
O possível envolvimento de membros da família Somoza e de soldados da Guarda Nacional no assassinato de Pedro Joaquín Chamorro, editor do jornal de oposição La Prensa e líder da União Democrática de Libertação, levou ao início da insurreição popular em janeiro de 1978. Motins espontâneos surgiram em toda a Nicarágua e uma grande greve geral passou a exigir a renúncia de Anastasio Somoza.
Os terceiristas coordenaram uma série de ataques contra alvos do governo em fevereiro de 1978. Nos meses seguintes, sob a liderança de Edén Pastora, os guerrilheiros sandinistas realizaram diversas ações militares, incluindo a apreensão de todo o Congresso da Nicarágua e a captura de quase mil reféns — incluindo o sobrinho de Somoza, José Abrego, e seu primo, Luis Pallais Debayle. O presidente cedeu às exigências, pagando 500 mil dólares de resgate, libertando 59 presos políticos (incluindo Tomás Borge) e autorizando o exílio dos guerrilheiros no Panamá.
O clima de agitação social no país, entretanto, era irreversível. Por todas as cidades, registravam-se sublevações de jovens armados e o movimento estudantil chegou a assumir o controle da cidade de Matagalpa. Terceiristas atacaram postos da Guarda Nacional em Manágua, Masaya, León, Chinandega e Estelí. A adesão popular à insurreição foi massiva e um grande número de civis se juntou aos revolucionários. O governo reagiu de forma violenta, mobilizando as Forças Armadas em uma série de massacres que resultaram em milhares de mortes.
Percebendo que a queda de Somoza era questão de tempo, o presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, encerrou o apoio ao ditador. Visando evitar que a esquerda assumisse o governo, os norte-americanos financiaram a criação da chamada “Frente Ampla de Oposição” (FAO), que se apresentava como uma “alternativa ao autoritarismo de Somoza e ao radicalismo dos sandinistas”.
Carter chegou a propor uma campanha militar para depor Somoza, com a condição de que a FSLN fosse excluída do novo governo. Insultados pelo oportunismo de Carter, os nicaraguenses rejeitaram a adesão da FAO e do governo dos Estados Unidos, afirmando que não aceitariam o “somozismo sem Somoza”. O Grupo dos Doze e o MPU abandonaram então a coalizão liderada pela FAO e ingressaram na Frente Patriótica Nacional (FPN), fortalecendo as organizações revolucionárias.
Em abril de 1979, a FSLN assumiu a liderança do levante popular, abrindo cinco frentes de guerrilha contra as forças de segurança de Somoza, incluindo a frente de Manágua. A adesão dos estudantes universitários e dos operários nas greves gerais e insurreições urbanas foram elementos cruciais para fragilizar a ditadura, mantendo-a economicamente debilitada e sob constante pressão política.
Em junho de 1979, a maior parte da Nicarágua já estava sob domínio dos revolucionários, incluindo duas das três maiores cidades do país. Um governo paralelo já havia sido criado na Costa Rica. Ciente da derrota iminente, Somoza renunciou à Presidência em 17 de julho de 1979 e fugiu para Miami, entregando o governo a Francisco Urcuyo. Dois dias depois, as tropas sandinistas adentraram na capital, Manágua, e depuseram o regime somozista, encerrando o levante.
A guerra civil custou 50 mil vidas e forçou mais de 150 mil nicaraguenses ao exílio.
Com a queda da ditadura dos Somoza, teve início a fase das reformas da Revolução Sandinista, que se estendeu de 1979 a 1990. Os revolucionários fundaram um governo de coalizão, presidido pelo Conselho de Reconstrução Nacional, formado por cinco membros — três sandinistas (Daniel Ortega, Moises Hassan e Sergio Ramírez) e dois oposicionistas (Alfonso Robelo e Violeta Barrios de Chamorro). Os direitos civis foram restabelecidos e a FSLN deu início a uma plataforma de profundas transformações sociais, instituindo a reforma agrária, nacionalizando empresas e propriedades ligadas ao regime dos Somoza, ampliando os direitos trabalhistas, universalizando o sistema de saúde, decretando a igualdade formal de gênero e iniciando a formação de um novo exército popular.
Os sandinistas empreenderam uma bem sucedida campanha de alfabetização, que reduziu a taxa de analfabetismo de 50% para 12% em apenas seis meses — feito que garantiu a Nicarágua o Prêmio Internacional Nadejda Krupskaia, concedido pela UNESCO. Também foram criados os Comitês de Defesa Sandinista, voltados à educação política e mobilização da população para a defesa permanente da revolução.
A partir de 1980, diversos conflitos começaram a surgir na cúpula do governo, opondo os sandinistas e os chamados “moderados”, acusados de intento contrarrevolucionário. Em 1981, os Estados Unidos endureceram suas críticas ao governo da Nicarágua, acusando os sandinistas de financiaram “atividades terroristas” em El Salvador. No ano seguinte, já sob o mandato de Ronald Reagan, os Estados Unidos sancionaram o país e começaram a financiar grupos de guerrilheiros anti-sandinistas conhecidos como “Contras” (abreviatura de “contrarrevolucionários”), responsáveis por realizar ataques militares, atentados terroristas e campanhas de desestabilização contra o governo da Nicarágua e seus apoiadores. Os Contras atacavam camponeses, centros de saúde, escolas e prédios do governo, realizavam chacinas contra a população civil, praticavam torturas, estupros e execuções sumárias.
As sanções econômicas, sabotagens e ataques sistemáticos à Revolução Sandinista obrigaram o governo da Nicarágua a alterar o seu modelo de organização política, encerrando o sistema coalizão. Os sandinistas também buscaram uma maior aproximação com Cuba e União Soviética. A Constituição de 1987 consolidou um processo de abertura política e no ano seguinte assinou-se um cessar-fogo com os guerrilheiros do Contras. A despeito dos muitos avanços efetuados ao longo dos anos 80, os esforços contrarrevolucionários afetaram gravemente a consolidação das reformas políticas e sociais, ao passo que a instabilidade política e os conflitos militares erodiram a popularidade do governo revolucionários — fatores agravados com o fim das subvenções e acordos de cooperação após a dissolução da União Soviética.
Como reflexo desse contexto, a candidata de oposição Violeta Chamorro venceu a disputa pela Presidência no pleito de 1990, encerrando oficialmente a Revolução Sandinista.