Na manhã de terça-feira (27/09), a Terceira Corte de Assis de Roma, na Itália, retomou o julgamento do militar uruguaio aposentado Jorge Nestor Troccoli, acusado mais uma vez pela Justiça italiana de envolvimento em três crimes cometidos no âmbito da Operação Condor, uma rede de colaboração entre as ditaduras do Cone Sul para aniquilar opositores políticos aos regimes.
Neste novo julgamento, o ex-militar de 81 anos é acusado pela morte e desaparecimento de Raffaela Giuliana Filipazzi, José Augustin Potenza e Elena Quinteros durante os anos de 1970 e 1980.
O uruguaio cumpre uma pena de prisão perpétua desde de julho de 2021, quando foi condenado com outras 13 pessoas pela morte e desaparecimento de dezenas de italianos ocorridos durante o período mais repressivo das ditaduras do cone sul.
Formada por um colégio de 12 juízes, a Corte, cuja presidente é Antonella Capri, aceitou a inclusão de todas as partes – familiares das vítimas e o Estado da Argentina – e marcou para o dia 20 de outubro a decisão acerca das listas de testemunhas apresentadas pelo Ministério Público e pelos advogados dos familiares. Caso todos os nomes propostos sejam aceitos, serão ouvidas durante o julgamento mais de 50 testemunhas.
A Corte também deverá estabelecer uma agenda com as datas das futuras audiências e quantas testemunhas serão ouvidas em cada sessão.
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Por sua vez, a defesa de Troccoli pediu à Corte que fosse nomeado um perito técnico que explicasse como funcionava a cadeia de comando do Fusna, órgão repressivo da marinha uruguaia a qual o réu pertencia, e as funções desempenhadas por ele. O colégio dará uma resposta na próxima audiência.
Cerca de nove policiais faziam a segurança da sala bunker, local onde é realizado o julgamento, que se encontra dentro da penitenciária de Rebibbia. Durante o intervalo, Troccoli, que assistiu a audiência sentado na primeira fila, ao lado de seu advogado, Marco Bastoni, hostilizou a imprensa e ofendeu a jornalista Nádia Angelucci, correspondente do jornal uruguaio La Diaria, alegando que seu “pasquim” escrevia mentiras sobre sua vida. A jornalista o desmentiu dizendo que simplesmente reportava o que acontecia durante as audiências.
Para Andrea Speranzoni, que representa a Frente Ampla do Uruguai no julgamento, a inclusão do partido uruguaio é “importante”, pois Elena Quinteros era militante e dirigente partidária.
“O caso Quinteros é um dos mais graves casos de violação de direitos humanos e homicídio cometido na época da ditadura. Esse crime é qualificado como um assassinato agravado precedido de sequestro, mas em nível supranacional também pode ser definido como terrorismo de Estado”, disse o advogado a Opera Mundi, o único veículo da imprensa brasileira, que, desde 2015, acompanha os julgamentos na Itália dos crimes cometidos durante a Operação Condor.
Nádia Angelucci
Jorge Nestor Troccoli, 81 anos, já condenado à prisão perpétua na Itália por crimes cometidos na durante regime militar uruguaio
Ainda segundo o representante, é por conta da “política do terror” que o regime militar desempenhou, que “violou os princípios básicos” dos direitos humanos e da vida, que criou um “efeito terrorista sobre a população civil uruguaia”. “Estamos tratando de um crime contra a humanidade em caso de terrorismo de Estado”, afirmou.
Além de Troccoli e seus advogados, também estavam presentes nesta audiência o procurador do caso Amélio Camelio Erminio, o advogado do Estado italiano Luca Ventrella e os representantes que defendem as famílias das vítimas. Enviados dos governos da Argentina e Uruguai acompanham o julgamento com a advogada Alessia Merluzzi.
Quem são as vítimas?
Para o procurador Erminio, Troccoli teria participado da morte de Filipazzi (italiana), Potenza (argentino) e Quinteros (uruguaia), “com o agravante de ter cometido os atos com premeditação, usando tortura e agindo com crueldade, abuso de poder e meios insidiosos”, disse.
De acordo com o MP italiano, Filipazzi e o marido Potenza foram sequestrados em Montevidéu, capital do Uruguai, em 27 de maio de 1977, no Hotel Hermitage, e foram levados para o centro clandestino do Fusna. Em 8 de junho, ambos foram entregues à agentes da repressão do ditador paraguaio Alfredo Stroessner e transferidos para Assunção, capital do Paraguai, no voo 303 das Linhas Aéreas Paraguaias.
Ao chegar na capital, foram registrados como “detidos sem entrada” e assassinados. Permaneceram na lista dos desaparecidos até 2016, ano em que seus restos mortais foram identificados em uma vala comum localizada em uma propriedade do Grupo Especializado da Polícia Paraguaia.
Já Quinteros foi sequestrada em sua casa durante uma operação conjunta entre o Fusna e o órgão de coordenação de operações anti-subversivas (O.C.O.A). Em 28 de junho de 1976, quatro dias após o sequestro, ela fingiu que entregaria um companheiro em uma zona próxima à embaixada da Venezuela. A uruguaia conseguiu escapar e entrar nos jardins da sede diplomática venezuelana, onde pediu asilo, mas oficiais do órgão de operações anti-subversivas entraram no local e a prenderam.
O fato gerou uma ruptura das relações diplomáticas entre Uruguai e a Venezuela. A militante do Partido Vitória do Povo foi levada para o centro de tortura chamado “300 Carlos – o Inferno Grande” e nunca mais foi encontrada. Em uma ficha dos arquivos do Fusna, ela aparece como morta entre os dias 2 e 3 de novembro de 1976.