O pedido de rogatória enviado pela Justiça italiana ao Brasil para que o jornalista Marcelo Godoy fosse ouvido como testemunha no Processo Condor, que julga crimes da ditadura brasileira, apresentava falhas que levaram à devolução, de acordo com um jurista consultado por Opera Mundi.
Godoy deveria ter deposto, por videoconferência, em audiência que aconteceu dia 10 de setembro passado. Até a abertura da audiência, tanto a Corte, quanto o procurador, não haviam sido informados que o jornalista não poderia depor.
A carta rogatória é um instrumento jurídico em que um país pede a outro cooperação em um processo judicial.
O Ministério da Justiça italiano recebeu a negativa do MJ brasileiro em 22 de setembro. O documento foi assinado eletronicamente dia 20 de agosto pela procuradora Juliana da Silva Nogueira, chefe da Divisão de Identificação e Localização Patrimonial da Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal do MJ brasileiro.
Segundo o documento com a justificativa, ao qual Opera Mundi teve acesso, “faltavam os fatos que explicam o crime, os artigos de lei que o definem e a documentação mencionada em italiano e português.” O documento italiano, porém, trazia sim os artigos da lei do Código Penal com sua devida tradução, mas, efetivamente, faltavam os fatos que explicam o crime e a documentação citada em italiano e português.
Segundo o jurista Daniel Toledo, especialista em direito internacional, “a rogatória foi devolvida de forma correta, pois realmente não atendia a todos os requisitos”.
Uma segunda rogatória foi enviada pela Justiça italiana pedindo, novamente, que Godoy seja ouvido em audiência marcada para o dia 28 de janeiro de 2021. Desta vez, o pedido foi aceito e entregue ao jornalista. Porém, Godoy espera ainda receber a notificação que informa em qual tribunal deverá depor
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Tanto a Corte, quanto o procurador, não haviam sido informados que o jornalista não poderia depor
General admitiu participação do Brasil na Operação Condor
Segundo o procurador do caso, Amélio Erminio, o depoimento de Godoy é importante pois “ele entrevistou um general que confessou o envolvimento brasileiro com o caso”. Ermínio se refere a entrevista feita ao general-de-divisão da reserva Agnaldo Del Nero Augusto, publicada no jornal O Estado de S. Paulo em dezembro de 2007, na qual o militar admitia a participação do Brasil na Operação Condor e o envolvimento da ditadura na prisão de Viñas.
O jornalista pesquisa os atos de repressão cometidos pela ditadura brasileira e é autor do livro A Casa da Vovó, uma “biografia” do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna), órgão de inteligência do governo militar e palco de sessões de torturas contra opositores do regime.
Este é o primeiro processo penal na história que julga a participação de agentes brasileiros em crimes praticados durante a ditadura militar. O caso acontece na Itália porque a vítima, Lorenzo Ismael Vinãs, era um cidadão ítalo-argentino. Vinãs militava no grupo de esquerda argentino Montoneros e tinha 25 anos quando foi preso, em 1980, por agentes brasileiros em Uruguaiana, no Rio Grande do Sul. Após passar quatro dias preso na Polícia Federal da cidade, foi entregue à ditadura de Jorge Rafael Videla e seu corpo nunca mais foi encontrado.
Inicialmente, eram quatro os acusados. Três morreram durante o processo. Átila Rohrsetzer, que atualmente vive em Santa Catarina, na época era diretor da Divisão Central de Informações, do Rio Grande do Sul. Ele pode ser condenado à prisão perpétua.
O crime aconteceu na época da atuação da operação Condor. A Condor foi uma rede colaboração entre as agências de inteligência das ditaduras sul-americanas que sequestrava, prendia, torturava e assassinava opositores dos regimes de opressão.