Na madrugada desta quarta-feira (07/07), o primeiro-ministro interino do Haiti, Claude Joseph, informou sobre o assassinato do presidente do país, Jovenel Moïse. Na ocasião, o primeiro-ministro informou que um grupo de pessoas não identificadas havia atacado a residência do presidente do Haiti, baleando o mandatário, que resistiu aos ferimentos. A primeira-dama também ficou ferida.
Após o assassinato do presidente haitiano, a questão relacionada à missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) veio à tona.
Vale ressaltar que a missão da ONU permaneceu por 13 anos no Haiti e já deixou a nação. Contudo, a instabilidade política no país persiste.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, Arnaldo Francisco Cardoso disse que o assassinato de Moïse escancara uma nova escalada de violência em uma sucessão de crises e instabilidade política no país mais pobre do continente americano.
“Expõe também, mais uma vez, o fracasso de uma missão de paz nos moldes como vêm sendo concebidas e conduzidas em diferentes partes do mundo pela Organização das Nações Unidas e seus membros”, afirmou o professor.
Papel do Brasil na missão de paz da ONU no Haiti
Sobre o papel brasileiro na missão de paz da ONU no Haiti, o professor acredita que o Brasil, por ter comandado o componente militar da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti, ou MINUSTAH, de 2004 a 2017, deveria poder contribuir com uma profissional e sincera análise crítica da missão.
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O cientista político ainda lembrou que, na saída do país em 2017, o comandante das forças da missão da ONU no Haiti, o general brasileiro Ajax Porto Pinheiro, despediu-se com a afirmação de “missão cumprida”, declarando crer em uma nova geração, distinta da que viveu o auge da violência. No entanto, o que se viu nos últimos anos não confirmou a avaliação do general.
“Considero por tudo lembrar que o Brasil foi o país que mais enviou tropas ao Haiti, totalizando 37.500 brasileiros envolvidos nas operações”, recordou.
Denúncias e críticas contra tropas brasileiras em operações humanitárias
O primeiro militar brasileiro a comandar a missão foi o general Augusto Heleno, que atualmente é o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.
Segundo Arnaldo Francisco Cardoso, o general Augusto Heleno ficou no país entre 2004 e 2005, dando lugar a uma sucessão de outros militares brasileiros em postos-chave na condução da Minustah, como o capitão Tarcísio Gomes de Freitas (hoje ministro da Infraestrutura) e os generais Carlos Alberto Santos Cruz (ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo), Floriano Peixoto (atual presidente dos Correios), Luiz Eduardo Ramos (hoje ministro-chefe da Casa Civil) e Edson Pujol (comandante do Exército entre 2019 e 2021, nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro).
Tereza Sobreira/Fotos Públicas
Brasil liderou missão de paz da ONU no Haiti, onde ficou até 2017
Além das críticas de diversas organizações humanitárias à operação Punho de Ferro, realizada logo no início da intervenção, em julho de 2005, na Cité Soleil, a área mais pobre da capital Porto Príncipe, muitas outras denúncias de violências e abusos por parte de soldados brasileiros se seguiram ao longo dos anos da presença militar no país caribenho.
“Se, na visão dos comandantes militares brasileiros, a participação na Minustah se constituiu em um excelente exercício de treinamento das tropas brasileiras, inúmeros analistas denunciaram a falta de preparo dos soldados brasileiros para atuação em operações humanitárias em comunidades urbanas carentes […]”, observou o professor.
Para o especialista, há certamente nisso muitas questões a serem debatidas acerca de intervenções militares em comunidades carentes, como vem ocorrendo no Rio de Janeiro, com péssimos resultados.
Desigualdade econômica e debilitamento das democracias
Arnaldo Francisco Cardoso explicou que em meio à pandemia, que ainda castiga inúmeras nações e que já evidenciou o agravamento de problemas decorrentes da desigualdade econômica concomitante ao debilitamento das democracias, é mais que urgente que lideranças políticas e econômicas globais assumam responsabilidades compartilhadas proporcionais às demandas de nosso tempo.
“Os problemas estão a exigir grandeza de propósitos e determinação. O egoísmo e o amesquinhamento das nações mais ricas trarão custos elevados a todos. O Haiti volta a nos lembrar disto”, concluiu.