Contam-me os novos algumas coisas do mundo que eu não sei, ainda que ocupe parte dele, assim, simultaneamente. São sons inéditos, hits, danças, movimentos, aplicativos, métodos de influência e persuasão, gírias, humor. Não consigo compreender a maior parte.
Esse nosso tempo faz gente jovem tornar-se velha muito mais rápido do que pregam os tradicionais costumes. Digo por mim mesma, trinta e três anos deixaram de ser o motivo da recorrente piada sobre a idade de Cristo e passaram a ser os novos setenta. Então, morrer como Cristo nunca, se estamos presos à cruz é para continuar vivos, passíveis à ação de um tempo ansioso, aflito, que nos estapeia o rosto acelerado em rugas inexistentes mas que insistem em aparecer nos reflexos de espelho, exigindo-nos filtros, botox, cirurgias indetectáveis, compensações estéticas para o que a natureza não é capaz de reverter. Envelhecemos sem envelhecer. Uma tortura envelhecer sem envelhecer, sem acumular sabedoria, conhecimento ou até mesmo, por mais miserável que seja a ideia, recursos financeiros.
Quando eu era criança achava que pessoas adultas tinham descoberto algum segredo muito importante da existência e que por isso viviam de acordo com o tamanho dos medos, dos desejos e das frustrações. Ilusão infantil, bonita, cheia de esperança. Foi só tornar-me adulta (por mim mesma, ninguém me ajudou, não) para notar o caráter falacioso da previsão: nós adultos não descobrimos nada, absolutamente nada, nenhum bruxo veio nos revelar os mistérios da eternidade.
O que tem me angustiado, de certo modo, não é nem a velhice que se espraia inclusive em alguns discretos cabelos brancos no meio da minha cabeça, ou no peso que ganhei (porque depois de certa idade nosso corpo vai se tornando uma menção honrosa ao corpo de nossas antigas, no caso tia Laura era bem redonda, assim como tia Cema), mas sim a percepção de que o tempo parece saltar para depois das próprias pernas, mantendo-se ativo pela dinâmica das informações que chegam e que partem nas telas de celular e de computador, fazendo com que o manso passeio dos ponteiros pareça defasado, inchado na contagem dos segundos, dos minutos e das horas, como se os relógios estivessem a fazer aquele quadro de retenção de líquidos típico das menopausas precoces – sim, aos trinta e três anos agora a grande corrida do tempo para envelhecer-me antes do tempo veio proclamar que meus recursos biológicos passaram da validade e já não posso ter filhos.
Não me abalo. Confesso, nunca fui enlouquecidamente ligada ao projeto filial e nem tive alegrias ao pensar em um amanhã demarcado pelas relações familiares plenas. Não tenho talento para avó caridosa, cuidadosa, serena – aí outro problema grave na questão toda, posto que me tornei uma avó, em tese, antes mesmo de poder tornar-me mãe.
Tenho lido sobre cosmologia e astrofísica, é muito interessante como todas as coisas da Terra e originam a partir do espaço, das estrelas, dos sistemas que andam por aí antes e depois de nós, independente de termos arquitetado ou não a melhor maneira de observá-los. Trata-se de uma mistura alquímica entre passado e o que pode vir a ser o futuro. Fico pasma e alguns fusíveis neuronais devem certamente entrar em colapso quando tento imaginar o que seria a morte do sol tornando-se pouco a pouco uma pedra dura e vermelha no meio do breu, depois de haver devorado tudo ao redor, extinção avassaladora.
Um dia antes, no entanto, o clima estaria aprazível e o céu muito limpo. Jamais desconfiaremos (desconfiaríamos?). Os pássaros talvez sim. Talvez entoassem seu gorjeio como um alarme particular, feito somente para o entendimento dos seus. E morreriam com a maior coragem do mundo, porque sabendo do final de tudo, estariam preparados para a partida, com o bico erguido, os olhos tristes porém dignos – não que falte aos pássaros alguma dignidade, aos pássaros não falta nunca a dignidade, é como fosse algo intrínseco a eles, um órgão vital, o próprio ar que os sustenta por dentro e por fora das vísceras.
Um dia antes do fim. O último dia de nossa trama como o pessoal que invadiu esse planeta e fez dele o que quis. Explosões solares inauditas, avisos silenciosos. Quantos milênios foram necessários para o desmanche da luz?
Nossa espécie humana tem a longevidade de um desses insetos que vivem apenas vinte e quatro horas quando comparamos sua duração à duração do cosmos e de sua constituição tecida ao acaso, precisamente segura para existência de nosso planeta azul e para que a vida, tal como a conhecemos, pudesse se manifestar.
Demorou muito até chegarmos aqui, muito. E agora o tempo parece tão escasso, estreito, apequenado, cheio de respostas imediatas em cliques supérfluos. Os relógios retêm líquidos, estão na menopausa precoce, não podem mais parir o futuro. Daqui a pouco suas medidas serão consideradas inadequadas porque já é inadequado pensar no tempo como solo em que a vida caminha, o correto é pensar no tempo como medo, como ensaio do fim, como prevenção, engajamento virtual, muitos stories, poucas histórias, cyberfilia.
São esses alguns dos novos conceitos que os novos me ensinam. Ontem, meu deus, era eu tão nova e não ensinei nada a ninguém – espero ao menos, disso tudo, qualquer coisa ter aprendido.
Salvador Dalí
Agora, o tempo parece tão escasso, estreito, apequenado, cheio de respostas imediatas em cliques supérfluos