E se Jean-Luc Mélenchon fosse a grande surpresa das eleições presidenciais em 10 de abril? Esta é a aposta da esquerda na França, e que se viu reforçada pela última sondagem da Ifop, na qual Mélenchon aparece em terceiro lugar, com 14% das intenções de voto. O antigo ministro socialista e fundador do partido La France Insoumise aparece, assim, à frente do líder de extrema direita Éric Zemmour (12,5%) e se aproxima da também ultradireitista Marine Le Pen (18,5%), a segunda colocada. O atual presidente, o liberal Emmanuel Macron, lidera a lista com ampla vantagem (28%).
Como é que o líder esquerdista conseguiu subir quase cinco pontos percentuais em três meses? A primeira explicação se encontra em um princípio de ‘desfragmentação’ da esquerda. Em dezembro, havia oito candidatos neste campo. Em março, quando foram validadas as candidaturas, ficaram seis nomes. Parte importante do eleitorado então disperso nas chapas que não vingaram se concentrou em Mélenchon.
Mas não é apenas a esquerda que está dividida. Na extrema direita, Zemmour, pela primeira vez candidato, despedaçou parte do eleitorado de Le Pen. O ex-colunista do jornal Le Figaro é conhecido por suas declarações de incitação ao ódio racial, e pautou grande parte do debate político. Seus elogios ao presidente Vladimir Putin, contudo, acabariam lhe custando votos após a eclosão da guerra contra a Ucrânia.
Face a um cenário político cada vez mais radical de direita, criou-se uma corrente no país pelo voto útil na France Insoumise. Até Segolène Royal, voz importante do Partido Socialista e ex-candidata em 2007, pediu o voto para Mélenchon, deixando a candidata de seu próprio partido, a atual prefeita de Paris, Anne Hidalgo (2%), com menos apoio.
Esta não é a primeira vez em que Mélenchon disputa a presidência da França. Em todas vezes, cresceu nas pesquisas na reta final, mas os resultados foram frustrantes. Em 2012, por exemplo, o candidato também chegou aos 14% de intenções de voto, mas ficou em quarto lugar e fora do segundo turno contra o então presidente Nicolas Sarkozy e François Hollande, que terminou vencedor. Em 2017, movimento semelhante aconteceu, e o esquerdista chegou a marcar 18% de intenções de voto em algumas pesquisas. Terminou o primeiro turno novamente em quarto lugar, com 19,58%, atrás de Le Pen, Macron e do direitista François Fillon.
Se o gráfico não aparecer ou estiver ilegível, clique aqui
Reprodução/Facebook
Jean-Luc Mélenchon subiu cinco pontos em três meses e aparece em terceiro lugar nas pesquisas na França
Corajoso, loquaz, debochado ou utópico: quem é Mélenchon?
Loquaz e corajoso para os seus admiradores, debochado ou utópico para os seus críticos, Mélenchon, de 70 anos, propõe ambiciosas reformas: entre os pontos altos de seu programa, está a criação de uma nova República Francesa para dar mais poder ao Parlamento – e menos ao presidente. Cético em relação à União Europeia (ao contrário de Macron), ele critica a OTAN e o alinhamento político com os Estados Unidos, mas também condenou a invasão da Ucrânia.
A ecologia é outro tema caro da campanha, com a aposta em acelerar a autonomia energética limpa e segura, sem depender da energia fóssil nem da nuclear. Suas críticas à energia de matriz nuclear, aliás, inviabilizaram uma chapa conjunta com o Partido Comunista Francês (PCF) – que apresentou candidato próprio, Fabien Roussel (4%). A energia atômica é apoiada por quase a totalidade dos candidatos, por ser produzida no país e ter baixa pegada de carbono. Mas Mélenchon é incisivo ao denunciar os riscos à segurança, e os conflitos armados na usina nuclear da Ucrânia são para ele um exemplo claro.
Seus militantes sabem que a chave para a virada à esquerda também está nos abstencionistas, quase 30% do eleitorado. Em intensas campanhas de rua, seus seguidores explicam às pessoas como se inscrever nas listas eleitorais, um ato administrativo imprescindível para poder exercer o voto. “Cada pessoa, não importa quais são os seus engajamentos políticos ou tipo de vida, tem uma responsabilidade pessoal no desfecho desta eleição”, disse este domingo Mélenchon, na maior passeata de campanha, perante dezenas de milhares de pessoas em Paris.