Publicado originalmente no jornal O Estado de S.Paulo, em 20 de julho de 2003.
Num tempo em que a crítica literária ia para as primeiras páginas dos jornais, o Correio do Manhã anunciou, em 2 de dezembro de 1902, que, no dia seguinte, José Verissimo analisaria o livro de Euclides da Cunha, intitulado Os Sertões.
Vinte e quatro horas depois, surgia a primeira análise da obra, uma das críticas mais lembradas da literatura brasileira – que, apesar dos numerosos elogios e concordâncias, afirmava: “Pena que conhecendo a língua, como a conhece, esforçando-se evidentemente por escrevê-la bem, possuindo reais qualidades de escritor, força, energia, eloquência, nervo, colorido, elegância, tenha o sr. Euclides da Cunha viciado o seu estilo, já pessoal e próprio, não obstante de um primeiro livro, sobrecarregando a seta linguagem de termos técnicos, de um boleio de frase como quer que seja arrevesado (…)”.
Euclides enviou uma carta a Verissimo, agradecendo a leitura elogiosa, mas respondendo que considerava “o consórcio da ciência e da arte” a “tendência mais elevada do pensamento humano”. Houve, já na época, porém, quem não visse problema nos termos usados por Euclides: “Nada disso é feito com pedantismo, exposto dogmática ou friamente. O autor tem um estilo ao qual, a despeito de qualquer censura que queiramos fazer, não se pode recusar estes grandes elogios: é pessoal, é vivo, é pitoresco”, escreveu Medeiros e Albuquerque no A Notícia de 12 de dezembro.
Wikicommons
‘Juízos Críticos’ traz textos que analisaram o clássico entre 1902 e 1906
Essas críticas e outras seis que se dedicaram a esse “best seller” do início do século 20 (chegou à 3a edição em 1906) foram reunidas em livro pela Laemmert, a mesma editora de Os Sertões, em 1904. A obra, que também contava com textos de Araripe Junior e Coelho Neto, entre outros, é agora reeditada com o nome de Juízos Críticos (Nankin/Ed. da Unesp, 158 págs.), e organização de Valentim Facioli e José Leonardo do Nascimento, que acrescentaram mais dois textos da época ao volume – um artigo do botânico José de Campos Novaes, diretor da Revista do Centro de Ciências e Artes de Campinas, e a interpretação do livro no discurso de recepção de Euclides, em 1906, na Academia Brasileira de Letras, pelo crítico literário Silvio Romero.
“A análise das leituras contemporâneas ao ‘livro vingador’ permite o acesso ao ambiente cultural de origem da obra e, por conseguinte, ao sentido provável atribuído pelo autor às suas teses”, escreve Nascimento na apresentação do livro. “Os artigos que compõe esta antologia de interpretações de Os Sertões formam um sistema coerente, dialogam entre si, permitindo que aquele período da história seja, de alguma forma, entrevisto e revisitado pelos leitores”.