A primeira edição da Volta da França de ciclismo teve início em 1º de julho e se encerrou em 19 de julho de 1903. A competição foi organizada pelo jornal L’Auto, ancestral do diário L’Equipe, e disputada em seis etapas, tendo como vencedor o francês Maurice Garin.
Favorito antecipado, Garin conquista a primeira etapa e conserva a dianteira na classificação geral de ponta a ponta, ganhando finalmente esta primeira edição com uma diferença de quase três horas sobre o segundo colocado.
No final do século 19 só existia um diário esportivo, o Velo. Em 1900, é criado um jornal concorrente, o l’Auto Velo, impresso em papel amarelo. Alguns anos mais tarde, esta cor daria nascimento à jaqueta amarela, vestida pelo líder da classificação geral em cada etapa. Como o ciclismo era então importante em termos econômicos e esportivos, é anunciado pelo L’Auto em 19 de janeiro de 1903 a criação da “maior prova ciclística jamais organizada”: a Volta da França.
Tratava-se de uma corrida de 5 semanas. As condições eram demasiado duras para a maior parte dos ciclistas. Uma semana antes da partida, somente 15 concorrentes haviam se inscrito, então os prêmios passaram a um total de 20 mil francos. Com esta modificação, 60 corredores se alinharam na linha de partida: 21 eram patrocinados pelas fábricas de bicicletas e 39 corriam por conta própria.
A Volta da França 1903 foi disputada em 6 etapas. Em relação às corridas atuais, elas eram bastante mais longas — a maior com 471 quilômetros. Os ciclistas tinham direito entre 1 e 3 dias de descanso entre cada uma e o percurso era em geral sobre terrenos planos. Todos os participantes disputavam individualmente, não havia equipes. Cada participante recebeu uma ajuda de 10 francos (88 euros, hoje) e uma diária de 5 francos.
À diferença dos dias atuais, um corredor que abandonasse durante uma etapa, estava autorizado a participar da etapa seguinte mas sua classificação geral seria afetada. Em certos trechos, a organização colocou fiscais para assegurar que os ciclistas percorriam toda a rota da etapa. O primeiro classificado de cada bateria era identificado com uma braçadeira verde e o último recebia uma lanterninha vermelha.
Bibliothèque nationale de France
A equipe francesa no início da Volta da França de ciclismo de 1932
Dos 79 corredores inscritos, apenas 60 se alinharam na partida e somente 21 cruzariam a linha de chegada. O pelotão era majoritariamente francês com 50 corredores, além de 3 belgas, 4 suíços, 2 alemães e 1 italiano. A partida para a primeira etapa ocorreu em 1º de julho em Montgeron, periferia sul de Paris, às 15h16. Nesta etapa entre Paris e Lyon, Garin chega 26 segundos à frente do francês Emile Pagie, depois de completá-la em 17 horas, 45 minutos e 44 segundos.
A segunda parte aconteceu em Lyon e Marselha em 5 de julho. O francês Hippolyte Aucouturier é o vencedor depois de ultrapassar a Garganta da República a mais de mil metros de altitude, porém Garin mantém-se à frente na classificação geral. Em 8 de julho, percurso fica entre Marselha e Toulouse, ganho também por Aucouturier, no entanto Garin ainda mantém-se à frente na classificação geral. Quatro dias mais tarde, entre Toulouse e Bordeus, ganha o suíço Charles Laeser. Garin ainda conserva a liderança.
O francês ganha a quinta etapa – Bordeus-Nantes – em 13 de julho e consolida sua posição. A sexta e última perna da competição, entre Nantes e Paris, parte em 18 de julho. Garin é novamente o vencedor e cruza a linha de chegada com cerca de 3 horas, no cômputo geral, à frente do segundo colocado, Lucien Pothier. Essa etapa foi muito disputada com um espetacular sprint final. Garin chega um segundo à frente de Fernend Augereau e do belga Julien Lootens.
Estima-se em 100 mil o número de espectadores ao longo do percurso na província e de mais de 20 mil assistentes em Paris, que receberam os atletas como heróis nacionais. Garin completou a Volta em 94 horas, 33 minutos e 14 segundos. Ao todo, somente 21 ciclistas cumpriram todas as etapas. Garin recebeu 6075 francos por esta conquista.
A ‘lanterninha vermelha’ coube a Arsene Millocheau, quem terminou a prova com a distância de 64 horas, 57 minutos e 8 segundos do primeiro colocado. Ser o campeão mais de uma vez é uma façanha notável. Até hoje, quatro ciclistas foram pentacampeões: Jacques Anquetil (França, 1957, 1961-64), Eddy Merckx (Bélgica, 1969-72, 1974), Bernard Hinault (França, 1978-79, 1981-82, 1985) e Miguel Indurain (Espanha, 1991-95). Mas quem sabe quantas vezes o belga Philippe Thys (campeão em 1913, 1914, 1920) teria vencido se a Primeira Guerra Mundial não tivesse interrompido a prova.
Para muitos, Eddy Merckx, apelidado de O Canibal, foi o melhor ciclista de todos os tempos. Outros consideram o bicampeão Fausto Coppi como o ciclista mais profissional e elegante. Trapacear nas corridas sempre foi uma tentação. Os primeiros quatro colocados na competição de 1904 foram desclassificados por, entre outras coisas, tomarem atalhos não autorizados ou por viajarem de carro.
Doping
De todas as formas de práticas desonestas, o doping continua sendo a pior praga do ciclismo. Nos primeiros anos, estranhos coquetéis eram entregues a alguns competidores. Em 1924 os irmãos Pelissier admitiram estar competindo à base de “dinamite”, ou seja, substâncias perigosas. No decorrer das décadas, diversos acidentes suspeitos foram atribuídos a drogas, como a morte trágica do ciclista britânico Tom Simpson em 1967.
Em 1998, um notório caso de doping com supervisão médica ganhou as manchetes. Foram encontradas no carro de um massagista cerca de 400 doses de eritropina. No prefácio da obra comemorativa 100 ans de Tour de France, Jean-Marie Leblanc, diretor da Volta da França, diz que “o doping, a excessiva expansão da corrida e a ganância” ameaçam sua sobrevivência.
Lance Armstrong, ciclista norte-americano, foi banido em 2012 eternamente e destituído de todos os resultados obtidos desde agosto de 1998, pelo uso e distribuição de dopagem bioquímica. Como consequência perdeu os 7 títulos do Tour de France que conquistou entre 1999 e 2005 depois de ter voltado a competir após o câncer no testículo. “Ninguém corre a Volta da França sem se dopar”, chegou a afirmar Armstrong.
Também nesta data:
1799 – Pedra de Roseta é encontrada por soldados do exército de Napoleão Bonaparte
1870 – A Igreja Católica promulga o dogma da infalibilidade papal
1900 – Paris inaugura sua primeira linha de metrô
1979 – Sandinistas derrotam a ditadura de Somoza na Nicarágua
(*) A série Hoje na História foi concebida e escrita pelo advogado e jornalista Max Altman, falecido em 2016.