“Este vídeo foi filmado no Japão uma semana antes do terremoto e do tsunami. Nossos pensamentos e preces vão para todas as pessoas do Japão. Nós amamos vocês”. O letreiro abre o mais novo esforço de marketing musical do grupo norte-americano Black Eyed Peas, o videoclipe recém-lançado para promover o baladão funky meloso Just Can’t Get Enough.
Ligados a uma vertente mais açucarada (em termos musicais) do hip-hop, os Black Eyed Peas são um quarteto multiétnico, para lá de interessante. Quem tem alergia ao pop de multidão tem alergia aos BEP, mas o talento black-pop da rapaziada é latente, por vezes impactante. Sabem soar originais e vibrantes, inclusive quando pirateiam na caradura o chapa carioca Jorge Ben (Jor), como fizeram ao enxertar o violão e a voz de Cinco Minutos (1974) em Positivity (1998), sem dar crédito algum a nosso homem do Ben.
O líder dos BEP, Will.I.Am, é afrodescendente nascido nos “projects” (guetos, favelas ou como mais possamos traduzir) de Los Angeles. Também afrodescendente, apl.de.ap nasceu nas Filipinas, filho de mãe filipina com pai soldado estadunidense, e foi adotado aos 14 anos por uma família de Los Angeles. Fergie, a única garota do grupo, nasceu em Hacienda Heights, também na Califórnia, foi atriz mirim, integrou grupo feminino de pop adolescente, é loura e linda. Taboo, por fim, é angeleno de ascendência europeia e mexicana, com traços orientais, que o fazem parecer ao mesmo tempo japonês e índio norte-americano. Juntos, são uma incansável usina produtora de música pop, sucesso e dólares.
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Pois bem, eis que calhou de nossos heróis estarem no Japão, gravando Just Can’t Get Enough, uma semana antes de os desastres naturais varrerem o país. Como ninguém aqui é criança nem está brincando em serviço, a equipe não esperou nem dez dias para colocar na rua as imagens (neutras) do “passeio”, convenientemente resguardadas pela mensagem pungente e pesarosa do início.
Estamos diante de um dilema complexo, e imensamente comum, o da exploração comercial das catástrofes. Toda vez é a mesma coisa, seja no Haiti ou nas enchentes da região serrana do Rio de Janeiro, imediatamente capitalizadas pelo bom-moço global Luciano Huck. O próprio vídeo dos BEP termina expícito, com um outro letreiro no qual aparecem um código, um numero e um endereço de internet para que o fã feliz da banda doe tristonhos 10 dólares para “apoiar os esforços de ajuda às vitimas do terremoto no Japão e do tsunami no Oceano Pacífico”.
Não costuma ser tão rápido e ágil o surgimento das planilhas que detalhem para onde foi a grana que os Black Eyed Peas ajudaram a arrecadar para o Japão, Wyclef Jean para o Haiti, Luciano Huck para a região serrana do Rio – sem mencionar as sacolinhas que Madonna e Shakira vieram passar no Brasil, junto (respectivamente) a José Serra e Dilma Rousseff.
Soa leviano duvidar das boas intenções de nossos super-heróis, suas gravadoras, emissoras de TV, produtoras e empresários. As histórias de todos eles são belas e repletas de significados – e nisso mesmo a turminha BEP é exemplar. Por outro lado, a indagação teima em escapar pela goela: nossos supermen e mulheres-maravilha não poderiam esperar um pouquinho mais para liberar sua criatividade pós-japonesa, ou mesmo guardá-la para um próximo rap?
No caso do clipe dos Black Eyed Peas, a genialidade passa longe, as imagens de Tóquio poderiam ser colhidas ontem, há um mês ou no século passado, a urgência artística não grita um segundo sequer. Os versos românticos banais não fazem lé com cré com as imagens, nem dizem nada com nada para lá do entretenimento puro e simples. Ou melhor, dizem. Está no próprio titulo da canção: “Eu não fico satisfeito(a)”, “I can get no satisfaction”, “não consigo ter o suficiente”, “Just Can’t Get Enough”. Sim, a gente percebeu.
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