A economia global começa o ano de ressaca e isso vale também para o Brasil, por mais que queiramos acreditar no contrário. Este é um contexto no qual cabe retomarmos a idéia chavão de que há grandes oportunidades nas crises – como se o brasileiro, ao longo da história econômica do país, já não tivesse aprendido isso.
Mas o Brasil realmente sai à frente dos demais países nas chances de administrar a crise, tanto pelo menor prejuízo sofrido até agora, em razão justamente do papel regulador do Estado sobre a economia – tão criticado pela ótica neoliberal –, quanto pela já conhecida habilidade criativa de seu povo gentil para driblar as dificuldades. Nisso, sim, está uma grande oportunidade: a de mostrarmos ao mundo que o consumo desenfreado adotado nos países centrais pode ser restringido.
Ocorre que o Brasil, ainda sem algumas condições básicas satisfeitas para grande parte da população, parecia mostrar sinais de aproximação dos cenários vividos em países ricos, com aumento do poder aquisitivo dos cidadãos, redução do desemprego, melhor desempenho no setor externo com conseqüente aumento de captação de dinheiro estrangeiro (algo ainda tão necessário ao desempenho de nossa economia). O país soube aproveitar bem o momento de expansão econômica global para isso. E é pertinente passar por este processo em momentos assim.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com a Espanha depois de sua entrada na Comunidade Econômica Européia (hoje, União Européia). Lá o crescimento econômico possibilitado pela entrada de capital dos países europeus de economias mais fortes refletiu-se no aumento de consumo de bens, na ampliação do crédito, na expansão da construção civil em larga escala. Em âmbito bem menor, era mais ou menos um cenário próximo do que começávamos a experimentar no Brasil até o ano passado.
Com a virada no contexto externo, porém, neste ano que se inicia, novamente colocaremos em prática nossa larga experiência em administrar a sobrevivência. Isso virá em especial no primeiro semestre, por meio de menos facilidades para pedir socorro em momentos de aperto para pagar as contas, de desejo de comprar os últimos lançamentos em eletrônicos, de arriscar um investimento de longo prazo, de pensar na casa própria ou no carro novo e, provavelmente, também pela queda da renda e pelo aumento das taxas de desemprego. Esse cenário tende a acarretar redução nas vendas, no movimento geral do comércio (que conseqüentemente encomendará menos mercadorias para a indústria, que comprará menos matéria-prima para sua produção etc.).
Medidas de incentivo devem ser mantidas
O governo tem feito sua parte. As medidas de incentivo ao crédito e ao consumo surtem efeito. Por isso, tem razão o presidente Lula quando diz que precisamos ir às compras para que a economia não pare, justamente porque todos os elementos econômicos, por assim dizer, estão sempre inter-relacionados e, se houver consumo por parte dos cidadãos, haverá movimento no comércio etc etc. Vale prestar atenção para ver se, passada a época do Natal, o discurso irá se manter. Ao que tudo indica, as medidas de incentivo ao aquecimento econômico terão continuidade. Resta saber se com o mesmo fôlego mostrado até aqui.
Mas nem só no Brasil o governo tem feito sua parte. E o melhor exemplo vem justamente dos Estados Unidos, com os cerca de US$ 800 bilhões que o novo presidente Barack Obama deve injetar no mercado. Talvez esse movimento possa ser visto como um balde de água fria por aqueles que acreditavam que a auto-regulamentação do sistema pudesse dar conta da crise sozinha.
Só que entre os outros elementos econômicos envolvidos nestas inter-relações contínuas da economia, também está o componente do montante de dinheiro disponível e em circulação no mundo. Ou seja, se diminui esse montante globalmente, haverá de ser reduzida também a quantidade de dinheiro à qual o Brasil tem acesso. A conseqüência disso poderá ser percebida em menos exportações, redução na entrada de investimento estrangeiro, desvalorização da nossa moeda, que historicamente nunca teve força em negociações internacionais.
Daí a chance de redução da atividade econômica neste semestre e a possibilidade de mostrar ao mundo que é possível consumir menos, não por uma questão política, mas de necessidade.
* Cláudia Bredarioli é jornalista, mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pela ESPM, doutoranda pela ECA-USP e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie no curso de Jornalismo
NULL
NULL
NULL