A realidade dos fatos
Já não é novidade que, há 30 meses, está ocorrendo uma guerra de alta intensidade na Ucrânia e com projeções que só os Estados Unidos, a China e a Rússia poderiam tentar delinear. Entretanto, aqueles de nós que “observam de longe” terão de se contentar com a especulação global desencadeada, sem limites ou restrições, pelos meios de comunicação hegemônicos do Ocidente e, claro, por aqueles apoiados pela Rússia e pelos seus aliados, que não são nem poucos nem fracos.
Nesse pandemônio de notícias, falsas e verdadeiras, que tendem a confundir os analistas mais perspicazes, a verdade que todos procuram emerge por trás do barulho noticioso que a esconde/distorce a pedido de uma das partes. A substância desta verdade é que a guerra não é entre a Ucrânia e a Rússia, uma falácia que o Ocidente está interessado em manter, mas entre a Rússia e a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte, cuja estrutura corresponde a uma Aliança Militar Internacional) liderada pelos EUA, desde 1949.
Essa verdade é incontestável, tal como o são as provas de que Volodymyr Zelensky e o seu exército apenas representam uma peça de terceiro nível no conselho de guerra administrado pelo Departamento de Estado do governo norte-americano. As suas declarações pomposas, além de satisfazerem o seu ego descontrolado, procuram esconder que a Rússia tem um apoio proporcional, ou maior, do que a “sua” guerra tem.
A guerra midiática
Além da morbidade que anima a difusão de notícias sobre o número de foguetes, mísseis e tanques que devastaram a inflada defesa ucraniana, a narrativa sobre a guerra é outro campo de batalha em que o Ocidente e a Rússia disputam ferozmente a “verdade”.
Todos os meios de comunicação hegemônicos sob o comando dos EUA e aliados disseram que a Rússia estava perdendo a guerra. Inflacionaram notícias como por exemplo sobre o envio dos aviões F-16 e a doação de mais de 108 bilhões de euros para apoiar o “corajoso” Zelensky. Esvaziaram as notícias referentes às vitórias parciais da Rússia em termos de ocupação de territórios e destruição de tanques fornecidos pela OTAN.
Por outro lado, os meios à disposição da Rússia e dos seus aliados, que não são poucos, conseguiram minimizar os impactos da narrativa ocidental e, ao mesmo tempo, difundir a sua própria versão da guerra, anunciando que “prontamente chegaria ao seu fim” com uma vitória militar.
A “conquista de Kursk”
Como se fosse algo épico, historicamente incomparável, o avanço das tropas de Kiev na região de Kursk tem sido considerado pelo Ocidente como o maior triunfo do exército ucraniano (leia-se OTAN) em “sua” guerra com a Rússia. Não apenas teria sido uma “conquista heróica” de 400 ou 1.200 km2 (dependendo da fonte), mas uma demonstração do “poder e capacidades” do exército ucraniano que conseguiu “surpreender” o poderoso exército russo e a sua inteligência de serviço. Nada menos.
Se não soubéssemos, como grande parte do mundo informado, que o ataque foi preparado, concebido e executado pela OTAN, mas em particular pelos EUA, Reino Unido e Polónia, poderíamos dar algum crédito às tropas de Zelensky. Entretanto, mais uma vez, os meios de comunicação hegemônicos procuram esconder a verdade e amplificar as notícias convenientes para Kiev e para o Ocidente.
Enquanto Kiev alucina com a sua “surpresa” e “espetacular” incursão em território russo, as tropas russas avançaram sem pausas em direção a Pokrovsk, mantendo o seu plano inicial de consolidar o seu controle na região de Donbass, sem cair na “provocação” do Ocidente de que se esperava um importante desvio de tropas russas para a área de Kursk para “recuperá-la” e repelir os invasores. Isso não aconteceu e o exército russo continua ganhando terreno em todo o leste da Ucrânia, sem deixar de repelir as tropas russas da região de Kursk.
Vencedores e perdedores
Até o momento, Zelensky não consegue demonstrar sucesso no cenário de guerra, apesar dos grandes recursos e armas recebidos do Ocidente. O incidente de Kursk é um episódio prestes a encerrar, embora o prolongamento da guerra, para além das declarações triunfalistas de Zelensky, tenha um impacto severo na situação e na moral das tropas ucranianas.
Quando esta nota foi escrita, as tropas ucranianas (leia-se OTAN) não só estavam sendo dizimadas pelo fogo russo, mas também eram vítimas do esgotamento de uma campanha de guerra prolongada para a qual não estavam preparadas. De acordo com informações que circulam globalmente, os recrutas das forças armadas ucranianas se recusam a disparar ou simplesmente não conseguem utilizar as armas que lhes foram dadas e preferem desertar (Associated Press, 22/08/24).
Se acrescentarmos a isto que o exército ucraniano não tem o nível de autonomia que o exército russo tem em termos de fornecimentos militares, é compreensível a notável diminuição da moral dos recrutas do exército ucraniano, para quem a “generosidade” do Ocidente não é suficiente.
Explica-se, então, que 60% da população da Ucrânia que inicialmente se aliou à aventura de Zelensky, exige uma solução política e diplomática para o conflito, porque sabe que não é possível continuar resistindo sem um custo crescente de vidas da sua população, especialmente dos seus jovens.
China, saída negociada
A China, de um pedestal de “neutralidade”, emerge como a potência com autoridade e preeminência reconhecida para promover a paz na Ucrânia. Só esse fato já é um ponto a favor da Rússia e faz da China uma referência com credibilidade política, aproxima-a muito do sul global e a sua disputa pela hegemonia mundial com os EUA ganha vantagem.
Esta circunstância obrigou Zelensky a mudar o seu discurso em relação à China. O discurso anti-chinês acabou e, em seu lugar, ouvimos discursos mais gentis e esperançosos que olham para o governo chinês como um poderoso promotor da paz na Ucrânia. Ao contrário da União Europeia, a China dispõe de recursos e argumentos que poderiam ser ouvidos num diálogo pela paz.
Apesar de sua narrativa triunfalista apoiada pela mídia hegemônica que descreve a incursão em Kursk como “uma grande vergonha para o Kremlin” (CNN 11.08.24), Zelensky, sempre que pode, insinua (implora) com medo a necessidade de acabar com a guerra através de meios diplomáticos.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Rocio Paik.