Há 123 anos, em 11 de julho de 1901, nascia a professora, jornalista e escritora Antonieta de Barros — primeira mulher negra a assumir um mandato popular no Brasil. Reconhecida por suas contribuições para educação, emancipação feminina e luta antirracista, Antonieta tem seu nome inscrito no Livro de Aço dos Heróis e Heroínas da Pátria desde 2023.
Antonieta de Barros nasceu em Desterro (atual Florianópolis), Santa Catarina, apenas 13 anos após a abolição da escravatura. Era filha de Catarina de Barros, uma ex-escravizada que trabalhava nas terras de Lourenço Waltrich, rico latifundiário da região de Lages. Após a abolição, Catarina se mudou para Florianópolis, onde conseguiu emprego como lavadeira na casa do ex-governador Vidal Ramos.
O pai de Antonieta, Rodolfo José de Barros, era jardineiro e trabalhava para os Correios. Ele morreu precocemente e Catarina teve de criar Antonieta e seus irmãos sozinha. Para sustentar a família, Catarina transformou sua casa numa pensão de estudantes.
Alfabetizada pelos pensionistas com quem dividia a casa, Antonieta concluiu o ensino básico na Escola Lauro Müller. Aos 17 anos, ingressou na Escola Normal Catarinense, onde se destacou por seu desempenho e dedicação. Foi eleita presidente do Grêmio Estudantil e escreveu artigos para a Revista da Escola Normal. Formou-se em 1921, passando a trabalhar como professora. Antonieta ambicionava cursar a faculdade de direito, mas as instituições catarinenses somente aceitariam o ingresso de mulheres a partir da década de 1940.
Em 1922, Antonieta fundou um curso noturno voltado à alfabetização da população carente — uma iniciativa que Antonieta manteria pelo resto da vida. Criou igualmente um curso destinado a preparar alunos para exames de admissão, que lhe rendeu uma ótima reputação como professora e convites para trabalhar em colégios de elite. Lecionou na Escola Complementar, no Colégio Coração de Jesus e na Escola Normal Catarinense — onde viria a se tornar diretora em 1944. Antonieta também atuou na organização política de sua classe, ajudando a fundar a Liga do Magistério Catarinense, uma associação dos professores do estado.
Em paralelo à carreira de educadora, Antonieta se destacou como jornalista e escritora. Em 1922, ela fundou o jornal A Semana, tornando-se a primeira mulher negra a atuar na imprensa catarinense. O jornal permaneceria ativo até 1927, servindo à difusão de artigos onde Antonieta abordava questões sobre política, educação, preconceito racial e direitos das mulheres. Os textos discutindo temas como o divórcio e criticando as barreiras que limitavam o acesso das mulheres ao ensino aproximaram Antonieta do movimento feminista — em especial Bertha Lutz e a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.
Antonieta também foi diretora do quinzenário “Vida Ilhoa”, trabalhou como colunista em diversos jornais do estado e foi convidada a integrar o Conselho Deliberativo da Associação Catarinense de Imprensa. Sua carreira no jornalismo foi bastante prolífica, resultando em mais de mil artigos publicados. Em 1937, sob o pseudônimo “Maria da Ilha”, Antonieta publicou uma coletânea de artigos e crônicas intitulada Farrapos de Ideias — o primeiro livro lançado por uma mulher negra em Santa Catarina. O lucro da primeira edição foi utilizado para financiar a construção de uma escola dedicada a abrigar os filhos dos internos de um leprosário no interior catarinense.
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Antonieta acumularia outros feitos pioneiros na década de 1930. Cedendo às reivindicações do movimento feminista, o Código Eleitoral promulgado por Getúlio Vargas em 1932 havia finalmente estendido às mulheres o direito de votar e de se candidatar a cargos eletivos. Dois anos depois, na primeira eleição em que as mulheres puderam participar, Antonieta concorreu a um assento na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (ALESC), candidatando-se pelo Partido Liberal Catarinense e obtendo a suplência.
Com a desistência de Leônidas Coelho de Sousa, nomeado ao cargo de prefeito de Caçador, Antonieta obteve a titularidade da vaga, tornando-se a primeira mulher negra a assumir um mandato popular no Brasil. Ela foi igualmente a primeira mulher a ocupar um assento na ALESC e a terceira mulher a ser eleita na história do país, precedida apenas por Alzira Soriano e Carlota Pereira de Queirós.
Integrante da Assembleia Estadual Constituinte, Antonieta foi responsável por redigir os capítulos referentes a Educação e Cultura e Funcionalismo da Constituição do Estado de Santa Catarina. Sua atuação parlamentar foi marcada pela defesa da educação pública e dos professores do estado. Em 19 de julho de 1937, Antonieta tornou-se a primeira mulher a assumir a presidência de uma Assembleia Legislativa no Brasil. O mandato da educadora, no entanto, teve curta duração. Após o golpe de 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas ordenou a cassação dos mandatos e o fechamento de todos os parlamentos do país, instaurando a ditadura do Estado Novo.
A carreira política de Antonieta só foi retomada após a redemocratização. Em 1947, já filiada ao Partido Social Democrático (PSD), a educadora se candidatou ao cargo de deputada estadual, obtendo a segunda suplência do partido. Com o afastamento de José Boabaid, Antonieta assumiu sua cadeira, tornando-se a única mulher no parlamento catarinense. Em seu novo mandato, Antonieta voltou a priorizar a educação. Ela foi a autora da Lei Estadual Nº. 145, que criou o Dia do Professor e instituiu o feriado escolar de 15 de outubro. A data foi escolhida em referência à sanção da Lei que criou o Ensino Elementar, assinada por D. Pedro I em 15 de outubro de 1827. Em 1963, o presidente João Goulart oficializaria o Dia do Professor como uma celebração nacional.
Antonieta conseguiu aprovar um projeto de lei determinando que os diretores das escolas públicas deveriam ser eleitos pelas comunidades que servem. Ela também propôs a concessão de bolsas de estudos em cursos superiores para jovens carentes, pressionou pela realização de concursos públicos para o magistério e lutou pela alocação de recursos para fortalecer a rede pública de ensino. A sua luta lhe rendeu muitos adversários e Antonieta teve de lidar com o boicote sistemático, o desrespeito e o racismo dos parlamentares catarinenses. Em um episódio bem conhecido, após realizar críticas à política educacional do governo de Irineu Bornhausen, a educadora foi atacada pelo udenista Oswaldo Rodrigues Cabral, que a acusou de fazer “intriga barata de senzala”. Antonieta respondeu ao ataque associando o pensamento de Cabral às ideias supremacistas em vigor nos Estados Unidos e na Alemanha nazista.
O embate com os udenistas resultou em represálias. Em 1951, Antonieta foi exonerada do cargo de diretora da Escola Normal Catarinense (então já renomeado Colégio Estadual Dias Velho), após passar sete anos realizando uma gestão elogiada à frente da instituição. Já o seu projeto de lei que criava eleição direta para o cargo de diretor foi revogado pela gestão de Irineu Bornhousen — rival do grupo político de Nereu Ramos, ao qual Antonieta se perfilava.
Os últimos anos de vida da educadora foram marcados por dificuldades financeiras. Antonieta de Barros faleceu em 28 de março de 1952, aos 50 anos de idade, em decorrência de complicações da diabetes. Sua irmã, Leonor de Barros, também educadora, deu continuidade ao curso de alfabetização criado por Antonieta e levou adiante a luta pela melhoria da educação pública em Santa Catarina.
Apesar de seu trabalho inspirador, Antonieta foi submetida a um processo de apagamento histórico na segunda metade do século 20— ao ponto de não existir nenhuma fotografia da parlamentar nos acervos da ALESC até os anos 90. Nas últimas décadas, registraram-se algumas iniciativas de valorização do seu legado e de resgate da sua memória.
A educadora hoje empresta seu nome a escolas, logradouros e a uma comenda da Câmara Municipal de Florianópolis, e foi homenageada com livros, peças, documentários e samba-enredo. Em janeiro de 2023, o presidente Lula sancionou um projeto de incluindo o nome de Antonieta de Barros no Livro de Aço dos Heróis e Heroínas da Pátria.