O ex-tenente uruguaio José Fernades Nestor Troccoli, 72 anos, foi preso na manhã deste sábado (10/07) na Itália após a Justiça do país confirmar a condenação à prisão perpetua de 14 torturadores ligados às ditaduras do Cone Sul pelo assassinato e desaparecimento de uma dezena de cidadãos italianos nas décadas de 1970 e 1980, durante a atuação da Operação Condor.
Troccoli foi levado para um presídio na cidade de Salerno. O ex-tenente é acusado de ser responsável direto por mortes e torturas durante a ditadura no Uruguai (1973-1985). Opera Mundi é o único veículo de comunicação brasileiro a acompanhar o processo na Itália.
A Condor foi uma aliança entre Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai, Brasil, Bolívia e Peru que permitia a troca de informações e prisioneiros e tinha como objetivo perseguir, torturar e assassinar dissidentes políticos e opositores dos regimes militares de então.
TUDO SOBRE O PROCESSO CONDOR NA ITÁLIA
Na sexta-feira (09/07), a Corte de Cassação, terceira e última instância da Justiça italiana, confirmou a condenação à prisão perpétua de 14 torturadores ligados às ditaduras do Cone Sul. Em relação ao uruguaio, a condenação parte de imediato. Para os outros, o governo italiano terá que pedir a extradição. Nove dos condenados vivem no Uruguai, três no Chile e um, no Brasil.
Militar reponsável pelos interrogatórios do Serviço de Inteligência da Marinha do Uruguai (Fusna), o uruguaio fugiu da América Latina para não ser processado em seu próprio país e reside atualmente em solo italiano, onde as autoridades que julgavam o processo tinham jurisdição para prendê-lo e privá-lo de liberdade, caso fosse efetivamente condenado pela Justiça.
Especificamente contra o ex-militar uruguaio, os autos em trâmite na Justiça italiana relataram e descreveram inúmeras vítimas de Troccoli. Aida Celia San Fernandez, Yolanda Iris Casco Ghelpi, Julio Cesar D'Elia Pallares, Edgardo Borelli Cattaneo e Raul Gambaro Nunez são algumas das vítimas que integram a lista de desaparecidos do continente sul-americano: foram assassinados e seus corpos jamais foram encontrados.
Todos são desaparecidos políticos e detinham cidadania italiana. Ao lado de seus nomes, na lista de ingresso da casa dos horrores, constava a sigla DF — deposição final, que significava um tiro na nuca e sepultura em fossa comum.
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Militar uruguaio fugiu da América Latina para para não ser processado em seu próprio país e reside atualmente em solo italiano
A sentença, na verdade, da Justiça italiana desta sexta deveria ter sido dada ainda na quinta-feira (08/07) – no entanto, após nove horas de audiência, a Corte foi informada de que dois acusados haviam falecido – o uruguaio Luis Alfredo Maurente e o peruano Germán Ruiz Figuero. Por conta disso, e sem tempo hábil para atestar os falecimentos, os casos dos peruanos mortos durante a Operação foram desmembrados do processo principal.
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Após a notificação dos falecimentos, houve um rebuliço em aula, visto a impossibilidade de haver ambos atestados de mortes por causa do fuso horário. No final da audiência a corte se retirou em câmara de conselho e decidiu desmembrar os casos de todos os peruanos porque são ligados entre si.
Sentença de réu brasileiro em outubro
Um desdobramento do processo Condor julga a participação do ex-agente da ditadura militar brasileira Áttila Rohrsetzer na prisão, desaparecimento e morte do cidadão ítalo-argentino Lorenzo Viñas, em Uruguaiana, no Brasil, em 26 de junho de 1980. O caso ainda está na primeira instância e a sentença está marcada para outubro. Julgado à revelia, se condenado, Rohrsetzer pode ter decretada a prisão perpétua.
Em 2016, quando o julgamento teve início, eram quatro réus: João Osvaldo Leivas Job, Carlos Alberto Ponzi, Marco Aurélio da Silva Reis e Áttila Rohrsetzer. Todos eram integrantes do aparato repressivo brasileiro. Como Job, Ponzi e Silva Reis morreram durante o andamento do processo, Rohrsetzer tornou-se o único processado.
Ouvida por Opera Mundi em abril, a defesa de Rohsetzer diz que as acusações são um “grave equívoco” e que o ex-agente não teve acesso aos autos do processo na Europa, além de negar que o ex-militar tenha torturado qualquer pessoa.
O processo do brasileiro corre em separado do caso principal, porque, quando a denúncia foi apresentada, o caso Condor já estava em fase de andamento e os advogados de defesa dos brasileiros alegaram que as provas e as testemunhas ouvidas até então não poderiam ser usadas retroativamente.
Prisão de Pinochet abriu brecha para denúncia
Era o fim dos anos 1990 quando Giancarlo Capaldo, promotor italiano que deu início ao caso, recebeu denúncias de parentes de desaparecidos ítalo-uruguaios e ítalo-argentinos e abriu uma investigação ligada a essas mortes no âmbito da Operação Condor. A denúncia foi feita no rastro do mandado de prisão de Augusto Pinochet emitida em 1998 pelo juiz espanhol Baltasar Garzón, que levou o ex-ditador chileno à prisão domiciliar em Londres por crimes contra a humanidade.
Após anos de investigação que envolveu vários países e colaboradores, Capaldo pretendia levar para o banco dos réus todos os 140 denunciados, mas, devido às mortes de alguns deles durante o caso e inúmeros problemas burocráticos com alguns países, o número de acusados foi reduzido e somente 33 foram levados ao banco dos réus.
O caso teve início em 2015 e se encerrou nesta sexta, 9 de julho.
Este é o primeiro processo na Europa a reconhecer a existência da Operação Condor e a condenar os responsáveis por crimes cometidos durante os anos de atuação da operação.