As eleições presidenciais na Venezuela estão marcadas para 28 de julho, mas a corrida eleitoral está a todo vapor. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) do país encerrou, na segunda-feira (25/03), as inscrições de candidaturas. Ao todo, 13 candidatos estão inscritos para o pleito, incluindo o atual mandatário Nicolás Maduro pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).
Este ano será o segundo com maior número de concorrentes em uma eleição dos últimos 31 anos. Isso porque desde 1993 só um pleito teve mais participantes do que o deste ano: o que foi realizado em 2006 e contou com 14 candidatos.
Parte da oposição apostava no nome da ex-deputada María Corina Machado, do Vem Venezuela (VV), para enfrentar o atual presidente. Mas a opositora está inabilitada de ocupar cargos públicos por 15 anos e, por isso, escolheu a professora Corina Yoris para seu lugar. Ela também não conseguiu se inscrever alegando problemas no site do CNE.
O caso gerou questionamentos da comunidade internacional em relação ao sistema eleitoral venezuelano, até mesmo do Itamaraty. Em nota, o Ministério de Relações Exteriores do Brasil expressou “expectativa e preocupação” em relação ao processo.
A posição foi rechaçada por Caracas, que enxergou a postura brasileira como “intervencionista” e com declarações “carregadas de profundo desconhecimento e ignorância”.
O governo venezuelano garantiu que o processo eleitoral será realizado “sem intervenção ou tutela de qualquer força estrangeira”.
Abaixo, Opera Mundi traz, em sete perguntas e respostas, um passo a passo da corrida eleitoral na Venezuela.
1. Como funciona o sistema político venezuelano?
A Venezuela é um regime presidencialista, ou seja, o presidente tem função de chefe de Estado e também de governo.
O mandatário do país é eleito por voto, através de um pleito direto. O mandato dura seis anos com reeleição permitida após a Constituição venezuelana ser reformulada em 2009.
Essa mesma Carta Magna definiu que o poder eleitoral é exercido pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) como órgão de governo. Com isso, é este conselho que estabelece as atribuições que envolvem as eleições na Venezuela, como o calendário eleitoral, registro de candidatos e eleitores e outras atribuições.
2. Quem são os candidatos na eleição de 2024 na Venezuela?
Nicolás Maduro é o indicado pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). O atual presidente venezuelano busca seu terceiro mandato no Palácio de Miraflores.
Maduro chegou ao poder em 2013, após a morte de Hugo Chávez, quando disputou o cargo contra Henrique Caprilles e derrotou seu candidato com 50,61% dos votos. Na sua segunda eleição, em 2018, venceu com 67,84% dos votos. O principal opositor foi Henri Falcon, representando o Copei.
O governador de Zulia, Manuel Rosales, do partido Um Novo Tempo (UNT), que se inscreveu na noite de 25 de março, surge como nome forte da direita para a disputa. O líder da legenda já concorreu às eleições em 2006 e perdeu para o então presidente Hugo Chávez. Agora, ele tentará reunir capital político e eleitoral para a disputa contra Maduro.
Edmundo González Urrutia é o “candidato tampão” da Mesa de Unidade Democrática (MUD). Ele é cientista político e ex-embaixador e foi indicado de última hora, após o Conselho Nacional Eleitoral prorrogar por 12 horas o encerramento das inscrições.
O primeiro a se inscrever foi Luis Eduardo Martínez, da Ação Democrática. Ele é deputado e reitor da Universidade Tecnológica do Centro. Disse que vai “transformar a Venezuela” e prometeu acabar com a reeleição indefinida.
Enrique Márquez será o candidato do Centrados. Ele foi deputado e vice-presidente do CNE. Disse que buscará o voto de “cada venezuelano sem se considerar dono da verdade” e que o país não precisa mais de “dirigentes políticos que perderam a sensibilidade”.
Benjamín Rausseo representará a Confederação Nacional Democrática (Conde). Ele é empresário e humorista e chegou a se inscrever para as eleições de 2006, mas não participou. Apesar da pouca experiência política, disse conhecer o país e afirmou que colocará os educadores no centro do debate venezuelano.
O candidato Antonio Ecarri será o representante da Alianza Lápiz. Além de presidente do partido, ele já foi vereador de Chacao e disputou as eleições para a prefeitura de Caracas em 2021. Durante a pré-campanha, disse que seu objetivo será trazer de volta os filhos e netos de venezuelanos que saíram do país, para que a Venezuela volte a “ser um lugar para todos”.
O ex-prefeito de San Cristóbal Daniel Ceballos será o candidato da Aliança Política Renovação e Esperança (Arepa). Ele também foi deputado no Estado de Táchira. Ele disse que será uma “alternativa” para reconstruir o país.
Claudio Fermín foi inscrito pelo partido Soluções pela Venezuela. Ele já foi prefeito de Libertador, deputado federal e disputou as eleições presidenciais de 1993, perdendo para Rafael Caldera com 23% dos votos. Segundo ele, a Venezuela está imersa no conflito e na hostilidade e disse que vai buscar “entendimentos entre os diferentes lados”.
Javier Bertucci será o candidato do El Cambio. Ele é deputado, pastor da Igreja Maranatha Venezuela e fundador do movimento Evangelho Transforma. Foi candidato nas últimas eleições presidenciais, em 2018, recebendo 10,82% dos votos. Disse que vai buscar a “reunificação e a tolerância no país” e que seu governo terá 3 pilares: economia, saúde e educação.
O candidato do Copei será Juan Carlos Alvarado. Ele também é deputado e disse que seu partido, depois de 30 anos, tem uma “candidatura plural” que expressa a vontade do povo venezuelano.
Luis Ratti se apresenta como um candidato independente, mas está inscrito pela Direita Democrática Popular. Se colocou como candidato em 2018, mas também desistiu de participar do pleito. Afirmou que será uma “oposição diferente da que se conhece”.
O deputado José Brito também se inscreveu como representante dos partidos Primeiro Venezuela, Min-Unidade e Unidade Visão Venezuela. Entre seus objetivos estão a “estabilidade política e o desenvolvimento econômico”.
3. Como é o processo eleitoral venezuelano?
Segundo a Constituição da Venezuela, uma vez expirado o mandato de seis anos do presidente, o CNE convocará a população para eleger um novo nome “no exercício de seu direito de voto universal, direto e secreto”.
No começo de março deste ano, o conselho anunciou que as eleições presidenciais de 2024 serão realizadas em 28 de julho, definindo ainda um calendário eleitoral que “cumpre o Acordo de Barbados”.
O calendário estabeleceu:
– Convocação para o processo eleitoral: 5 de março.
– Inscrição dos candidatos: 21 a 25 de março.
– Registro eleitoral nacional e internacional: 18 de março a 16 de abril.
– Encerramento do registro eleitoral preliminar para a eleição: 16 de abril de 2024.
– Período de campanha eleitoral: 4 a 25 de julho.
– Eleição presidencial: 28 de julho.
A inscrição dos candidatos é feita de forma online ou presencial.
No dia do pleito, os eleitores votam em urnas eletrônicas que imprimem os comprovantes de votação em cédulas. O eleitor confere e deposita o comprovante em uma urna para eventual recontagem dos votos.
4. Acordo de Barbados: o que é?
Em outubro de 2023, governo e um setor da oposição da Venezuela chegaram a um consenso e assinaram um acordo de normalização para as eleições presidenciais de 2024, colaborando para um “clima social e político favorável ao desenvolvimento de um processo eleitoral pacífico e participativo”.
A rodada de negociações ocorreu na Brigdetown, capital de Barbados, e foi acompanhada por representantes de países mediadores, incluindo o assessor especial para assuntos exteriores da Presidência brasileira, Celso Amorim.
Essa foi a primeira vez que governo e o setor de oposição chamado Plataforma Unitária Democrática (PUD) assinaram um acordo desde novembro de 2022, quando a delegação opositora concordou em desbloquear mais de US$3 bilhões que pertencem ao Estado venezuelano e que estão congelados em contas estrangeiras.
No entanto, o governo já havia denunciado que a PUD nunca cumpriu o combinado, o que fez com que as negociações fossem suspensas por quase um ano.
E também, uma das expectativas do acordo era para o fim das sanções unilaterais norte-americanas contra a indústria petroleira venezuelana. Inclusive, uma das exigências feitas pelos Estados Unidos para essa flexibilização era, justamente, a definição de um cronograma eleitoral.
O governo venezuelano cumpriu sua parte, mas a gestão Joe Biden não e voltou a aplicar sanções, alegando contra o impedimento à candidatura presidencial da líder da oposição Maria Corina Machado, que está inabilitada por 15 anos.
Sobre a questão de inabilitações de pré-candidatos opositores, o Acordo de Barbados já havia estabelecido que: “se promoverá a autorização a todos os candidatos presidenciais e partidos políticos, sempre que cumpram com os requisitos estabelecidos para participar na eleição presidencial consistentes com os procedimentos da lei venezuelana”.
O acordo também afirmava:
– Respeito entre as partes.
– Autorização aos candidatos que cumpram os requisitos das leis venezuelanas.
– Data para as eleições presidenciais.
– Atualização do Registro Eleitoral.
– Auditoria e participação de observadores internacionais no processo eleitoral.
5. Maduro está na disputa de 2024?
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, foi escolhido como candidato às eleições presidenciais no país pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). Ele foi escolhido após uma série de assembleias convocadas em diferentes partes do país. Segundo o vice-presidente da legenda, Diosadado Cabello, a escolha foi ratificada por mais de 4,2 milhões de militantes e ativistas que participaram dos encontros.
Maduro se inscreveu no sistema do CNE no último dia permitido, em 25 de março.
Em busca da reeleição para o terceiro mandato consecutivo, Maduro foi acompanhado por milhares de apoiadores até a sede do Conselho Nacional Eleitoral. “Um sonho de Pátria e de transformação do futuro”, disse após realizar a inscrição, afirmando que o pleito de julho será pelo “direito de um futuro, de existir e a independência da Pátria”.
O atual mandatário também entregou ao CNE o “Plano para a Pátria 2025-2031”. O documento contém propostas para o país. São mais de 60 mil pontos debatidos em assembleias de base em todo o país.
6. Por que Maria Corina Machado não pode concorrer?
A ex-deputada María Corina Machado era pré-candidata da oposição à Presidência do país, cujo partido é o Vem Venezuela (VV), fundado em 2012. Deputada pelo estado de Miranda, com um mandato iniciado em 2011, a opositora foi cassada, em 2014, por aceitar um cargo como embaixadora do governo panamenho na Organização dos Estados Americanos (OEA).
À época, a Controladoria Geral da República (CGR) venezuelana confirmou que, por conta desse caso, Corina Machado estaria inabilitada, primeiramente, por 12 meses
No entanto, diante da existência de novos elementos que violavam a legislação venezuelana, a CGR determinou, em junho de 2023, que a ex-deputada seria impedida de ocupar cargos públicos por 15 anos, decisão que foi reconhecida pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) do país em janeiro de 2024.
Ainda em 2023, Corina Machado recorreu, mas, diante da decisão contrária às suas expectativas, a opositora atacou e rechaçou o TSJ.
Ficar inelegível na Venezuela não impede nenhum cidadão de participar das eleições internas de suas próprias organizações, pois são atos não vinculantes, mas impossibilita o registro e a candidatura a cargos eletivos, algo que está incluso no Acordo de Barbados.
Além disso, o artigo 47 da Lei Orgânica de Processos Eleitorais no país determina que somente organizações com propósitos políticos, grupos de eleitores, cidadãos por iniciativa própria e comunidades ou organizações indígenas têm o direito de indicar candidatos para os processos eleitorais. Mas, por exigência legal, é preciso haver uma pessoa credenciada junto ao CNE para conseguir formalizar a indicação de candidatos para as eleições.
No caso de Corina Machado, seu partido, o Vem Venezuela, não é credenciado porque não cumpriu os requisitos do CNE: não participou de nenhuma eleição até o momento e teria que renovar suas credenciais no conselho.
Como a legenda não é um partido registrado no CNE, a opositora teve que chegar a um consenso com as organizações devidamente registradas para a eleição presidencial de 2024 e que fazem parte da Plataforma Unitária Democrática (PUD), nesse caso: a Mesa de Unidade Democrática (MUD), Um Novo Tempo (UNT) e a Força da Vizinhança (FV), com as quais supostamente tinha um pacto anterior
7. Por que Corina Yoris não está inscrita?
Inelegível por 15 anos, a ex-parlamentar indicou Corina Yoris para ocupar seu lugar na disputa. No entanto, a PUD afirma que, desde a abertura das inscrições, não conseguiu registrar um candidato por não ter acesso ao sistema no site do CNE.
A oposição chegou a pedir a prorrogação do prazo para as inscrições por três dias, mas não foi aceito pelo CNE, somente concedeu uma prorrogação de 12 horas após o encerramento do período de inscrição, no dia 25 de março.
Nesse período, a Plataforma Unitária Democrática inscreveu um outro nome, registrado pela Mesa de Unidade Democrática: Edmundo González Urrutia, chamado pela própria oposição de “candidato provisório” até que o possível registro da candidatura unitária seja efetivado.
Por sua vez, o partido Um Novo Tempo decidiu também registrar seu próprio candidato, Manuel Rosales, governador de Zulia.
Sem apoio, Corina Machado e sua indicada poderiam usar a terceira opção estabelecida por lei: a iniciativa própria. Mas, nesse caso, de acordo com o artigo 52 da Lei Orgânica de Processos Eleitorais, elas deveriam apresentar ao CNE assinaturas de apoio correspondentes a 5% da última lista eleitoral.
Para que esse método fosse aceito, o Conselho Nacional Eleitoral deveria nomear uma comissão para verificar a legalidade e legitimidade das assinaturas e endossá-las, conforme estabelecido na mesma lei orgânica.
Fontes consultadas por Opera Mundi avaliam que Corina Machado não tem apoio nacional há algum tempo e está perdendo o apoio internacional. E que, na verdade, há um debate interno na oposição pelo nome a ser indicado para a disputa.
(*) Com Brasil de Fato.