Há 100 anos, em 28 de julho de 1924, as tropas do Exército brasileiro sufocavam o levante dos tenentistas no Amazonas, encerrando a Comuna de Manaus. Reivindicando a reforma estrutural do sistema político brasileiro, a Comuna de Manaus foi a terceira sublevação do movimento tenentista, precedida pela Revolta do Forte de Copacabana e pela Revolta Paulista de 1924. Foi também o único levante tenentista que logrou a instalação de um governo revolucionário.
A rebelião deriva do contexto de agitação política, conflitos sociais e crise econômica que marcaram a década de 20 no Brasil. Muito dependente da exportação de commodities, a economia amazonense entrou em colapso após a queda do preço da borracha no mercado internacional e a diminuição da demanda pelo produto após o fim da Primeira Guerra Mundial.
A decadência econômica jogou boa parte da população amazonense na miséria, ao passo que motivou uma violenta luta entre as oligarquias locais pelo controle da máquina do Estado.
Em 1921, César do Rego Monteiro, que havia perdido as conturbadas eleições de 1920, foi empossado como governador do Amazonas por ordem do presidente Epitácio Pessoa, indignando a população do estado. A insatisfação aumentou à medida que Rego Monteiro consolidou uma tradição de práticas nepotistas, clientelistas e corruptas, favorecendo as oligarquias aliadas.
O ápice do descontentamento ocorreu após a tentativa de Rego Monteiro de vender 25% das terras amazonenses — uma área equivalente à França — à empresa norte-americana J.C. White Engineering Corporation, em troca de um empréstimo de 3 milhões de dólares. A transação não foi concretizada por intervenção do próprio governo federal.
Aos problemas locais, somava-se a conjuntura nacional, igualmente marcada por crises financeiras e agitação política. Desde o início dos anos 20, militares de baixa e média patente estavam se organizando politicamente em torno do movimento tenentista, exigindo reformas como a instituição do voto secreto, o fim do domínio político das oligarquias paulistas e mineiras (política do café com leite), maior separação entre os poderes do Estado e a reforma do ensino público.
Em julho de 1922, os militares tenentistas haviam se sublevado contra o governo de Epitácio Pessoa, organizando a Revolta do Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro. Em julho de 1924, os tenentistas rebelaram-se contra o governo de Artur Bernardes durante a Revolta Paulista. Os militares amazonenses ligados ao tenentismo já vinham se articulando para promover um movimento local a fim de depor Rego Monteiro e seu grupo político. A eclosão da rebelião paulista motivou os tenentistas amazonenses a apressarem o levante, visando apoiar os rebeldes de São Paulo e ajudar a estender a revolução por todo o Brasil.
Em 23 de julho de 1924, durante uma viagem de Rego Monteiro à Europa, os rebeldes tenentistas deram início ao plano. À frente das tropas estavam o capitão José Carlos Dubois e os tenentes Alfredo Augusto Ribeiro Júnior, Joaquim Magalhães Barata, José de Lemos Cunha e José Becker Azamor. Em uma ação relâmpago, os tenentistas tomaram o Palácio Rio Negro, sede do governo amazonense, e depuseram o governador interino Turiano Meira.
Em seguida, os tenentistas subjugaram as tropas estacionadas no Quartel da Polícia, que se renderam após uma hora de combate. Ocuparam então os prédios públicos e prenderam as autoridades ligadas a Rego Monteiro. Por fim, tomaram as estações telegráficas e telefônicas, isolando Manaus do resto do país, e se apropriaram das embarcações, incluindo o vapor “Bahia”, de propriedade da Companhia Lloyd Brasileiro, obtendo o controle do tráfego fluvial.
Derrubado o governo amazonense, os tenentistas empossaram Alfredo Augusto Ribeiro Júnior como chefe do novo governo revolucionário, fundando assim a Comuna de Manaus. Em seu discurso de posse, Ribeiro Júnior esclareceu que o levante tinha por objetivo “interromper a ação destruidora desses vendilhões da Pátria” e substituí-los por uma gestão voltada a garantir o “beneficiamento para o país e liberdade para o povo”. Com os meios de comunicação da cidade sob seu controle, os rebeldes passaram a utilizar o Jornal do Povo como veículo de difusão dos seus ideais.
Dominada Manaus, os tenentistas avançaram para a cidade de Óbidos, no Pará, a 500 quilômetros de distância da capital amazonense, considerada estratégica para proteger a Comuna de Manaus, por ficar na parte mais estreita do Rio Amazonas e estar equipada com dois fortes. Com apoio da população local, destituíram os gestores de Óbidos e passaram a controlar as instalações militares.
De Óbidos, tentaram avançar pelo Pará e chegar ao Maranhão e ao Piauí, mas foram impedidos pelas tropas federais.
A Comuna de Manaus durou pouco mais de um mês, de 23 de julho a 28 de agosto de 1924. Nesse meio tempo, além de desfazer as ações arbitrárias da gestão anterior, o governo revolucionário instituiu medidas que conferiram forte apoio popular à rebelião, tais como o confisco e leilão dos bens e imóveis de governantes e empresários acusados corrupção, a cobrança de impostos atrasados de empresas estrangeiras, a instituição de um novo sistema tributário com impostos mais altos para os ricos e grandes empresários e o pagamento dos salários atrasados do funcionalismo.
O presidente Artur Bernardes enviou uma grande força militar para debelar o levante — o Destacamento do Norte, sob comando do general Mena Barreto. As forças federais destituíram o governo revolucionário de Óbidos em 26 de agosto e chegaram a Manaus dois dias depois. Ciente da impossibilidade de derrotar as numerosas e bem equipadas tropas do Exército e com medo da resistência evoluísse para uma chacina, Ribeiro Júnior se rendeu. Ao notarem que os tenentistas estavam sendo detidos, os populares saíram às ruas em protesto, mas foram reprimidos e dispersados pelos militares.
Ribeiro Júnior foi julgado no Rio de Janeiro e condenado a um ano e quatro meses de reclusão. O coronel Raimundo Barbosa assumiu temporariamente a chefia do governo, cedida posteriormente a Alfredo Sá, nomeado interventor pela Presidência da República. Sá tratou de restabelecer o domínio político das velhas elites, costurando um novo arranjo de forças entre as oligarquias locais.